Cunha e Silva Filho
 
          Tudo quase se falou sobre os rompimentos de duas barragens em Mariana, Minas Gerais. No Facebook foram inúmeras as postagens,  vídeos, comentários,  críticas contundentes a possíveis responsáveis pelo que ocorreu  com   os lugarejos de Mariana afundados em lama apinhada  de rejeitos de minérios poluentes e  mortíferos,  para cuja    extração se usam  substâncias  perigosas à saúde humana,  à fauna e flora, como   soda cáustica,  mercúrio e outras substâncias  de alto risco para o meio ambiente.      Segundo os especialistas,   o desastre vai  ter  consequências nocivas  de, pelo menos,  um século por onde  a lama assassina tem passado e  já atingindo o  Estado  do Espírito  Santo,  destruindo tudo pela  frente:  gente,  peixes,  flora e a preciosa água fluvial. Sem se falar que  a lama mortífera vai atingir  o mar no Espírito Santo, causando, por sua vez,  danos  terríveis à fauna marinha.
              A lama gigantesca ainda se move de mistura com  as águas cristalinas do Rio Doce, hoje, um simulacro de rio  brasileiro,  outrora sustentáculo   contra a sede dos habitantes  que dele se beneficiam e derrocada  dos pescadores, agora privados pela tragédia vergonhosa  que se abateu no país, país já maltratado em tantas dimensões materiais  e imateriais.
              E por falar em fluvial,   já se constata em parte   a morte do belo  Rio Doce  atingido em cheio  pela vagalhão  lamacento, num desastre ecológico   nunca visto  em território nacional e poucas vezes no mundo.. Talvez, segundo  um  especialista,  o quinto maior desastre  contra a natureza  do planeta  Terra.
     Além de ter  ceifado  dezenas de vidas humanas, transformando  o extenso   percurso   danificado  pela  mar de lama, o desastre incomum  equivale,   mutatis mutandi,  a uma  explosão  de uma  usina  nuclear, ou mesmo a  certas consequências para o ser humano de   bombas  lançadas  em  Hiroshima e Nagasaki.
          Se em Paris houve o terrorismo do Estado  Islâmico, aqui, em Minas Gerais,  houve  o terrorismo contra  as águas do Rio Doce  e todo o entorno   ambiental  violentamente afetado. Foram,  por assim dizer,  dois  atentados imperdoáveis do ponto de vista  das responsabilidades que cabem aos dirigentes da mineradora  Samarco, da Vale (estatal responsável))  e das afiliadas estrangeiras.
              Felizmente,  o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) não está vivo  para  sentir  o pavor, a “terra arrasada,” de tudo isso, sobretudo  porque  um mineiro da gema e um  poeta  antenado com  o que  de errado  acontecia no país. Haja vista o que ele  vociferou  contra  Sete Quedas e tantos desmandos  perpetrados   pelos governos federais dos quais foi  contemporâneo o “poeta nacional” com justiça  definido  pelo crítico,  ensaísta,  historiador   literário e diplomata   José Guilherme Merquior (1941-1991).
           O povo brasileiro  ainda  não se deu conta,presumo, do que  significa a destruição de um rio, da flora e fauna de uma região. Faltam vozes mais   firmes para denunciar  essa tragédia mineira, diria à brasileira, porque me fundamento  na natureza  do desastre e, assim sendo,   nas razões  de culpabilidade  que pairam   ainda   impunes  dos responsáveis diretos pela tragédia  ecológica.
            Não é possível que mais um “malfeito” fique  inócuo. Um tipo de  desastre dessas proporções  , em país  sério,  derrubaria  ministros e até  governos. Aqui, nada acontece. Podem até pensar que foi um act of God e não  uma  consequência   acarretada   por  incompetência  de gerenciamento de uma mineradora e sobretudo    desídia  dos aparelhos    estatais  diretamente    responsáveis  pela fiscalização do  nosso  território, das nossas fontes  hídricas e da segurança   e  manutenção   da normalidade  do que se constrói  de engenharia  de barragens, tão  distante  do know-how  do que se vê  na Holanda e em outros países   comprometidos  com   a segurança   de seus compatriotas.
         È hora  de  o governo federal  ir atrás  dos reais  culpados  pela tragédia em Minas Gerais. Não é  correto da parte do governo  federal e estadual (de Minas Gerais) deixar  incólume  esse crime ambiental. Os males que está causando  às populações  envolvidas   pela tragédia em dois estados  brasileiros precisam  de ser  claramente   explicitados  pelos  atuais   Ministérios, notadamentede  Minas e Energia e do  Meio Ambiente e  cobradas  da presidente  da República osluções  rigorosas e   veementes.
          Não pode haver  silêncio  e  manipulações para  evitarem  que culpados  fiquem   impunes  e se dê a um crime dessas proporções  uma importância  menor. Pelo contrário,  é urgente que  o desastre de Mariana  receba do governo federal  toda a logística  possível, que às populações afetadas  sejam  propiciadas condições financeiras  e de sobrevivência  para  poderem tocarem  suas vidas sem  se transformarem em párias   de crimes de lesa-pátria.
           O Estado  brasileiro  é a instância maior  nessa questão  tão  delicada e por esse motivo  tem que estar presente  com recursos  orçamentários  de molde a  minimizar  o sofrimentos  das cidades   criminosamente afetadas   pela incúria dos que  diretamente  têm a ver com  o rompimento das barragens. Os lucros já auferidos  pelo  governo federal  e pelas empresas mineradoras  não devem  se sobrepor  às aflições e aos prejuízos  de  que se tornaram  vítimas  sem culpa   as populações  mineiras e capixabas. Que – reitero – os culpados sejam   exemplarmente   penalizados  e  mais esse crime não permaneça   na indiferença  das autoridades federal e  estadual e na apatia  crônica de alguns brasileiros  cegos pelas paixões ideológicas.