Cunha e Silva Filho

 

                   A minha relação  intelectual com  o latim foi sempre tumultuada,  conflituosa e inacabada. Isso merece uma explicação do resenhista.  Em 1963, se não incorro em  lapso de memória,   fiz, ainda adolescente,  um artigo de título “Por que a exclusão do latim?,” publicado em jornal  de destaque em Teresina. Era o meu protesto contra o apagamento do curriculo  escolar  ginasiano de uma língua que,  em países  adiantados,  ainda hoje é cultivada.     

Me lembro de que o  pai da linguística no Brasil,  o emérito  professor Joaquim Mattoso Câmara Júnior, de quem  tive o prazer e a honra de ter sido  aluno na antiga Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje UFRJ.,   não por vaidade nem soberba,  mas por mera  brincadeira,    numa daquelas  aulas memoráveis dadas pela manhã,  começou sua exposição  expressando-se em  latim  clássico. Aproveitava para  afirmar que, na Alemanha,  cultivava-se o latim. Ora, isso era uma maneira de ele chamar a atenção dos seus  discípulos para o papel  vital que  a língua de Cícero desempenhava na formação humanístico-clássica  dos estudantes  brasileiros.

O meu interesse pelo  latim, posto que não o domine como  o  desejasse,  remonta aos  tempos de aluno   ginasiano. O latim, na época,  era  tido como uma  matéria  difícil. Ora,  agora  entendo que  a dificuldade  tinha uma  razão  profunda: é que,  por mais que admirasse a pessoa dos meus  professores,  essa disciplina  não era bem  conduzida pela Escola Tradicional. Para sintetizar, o latim  era ministrado sem  o concurso  da didática  voltada para essa língua morta, conforme  sempre a ela  se referem   os estudiosos de idiomas. Na realidade, de morta não tem nada. Haja vista essa  espécie de “ressurreição” do latim  em algumas escolas  brasileira do ensino  fundamental e médio.

Grata, oportuna  e abençoada  ressurreição! Tudo não passava, no que tange ao estudo  do latim,  de uma questão  de ensino-aprendizagem, ou seja,  de formas  de ensinar  um idioma  que força sem dúvida a inteligência  dos  adolescentes e adultos. Se essa exigência  intelectual  é imperiosa  ao  aprendizado  do latim, então  podemos  louvar,  com  toda a justiça e  obrigação,  o professor-autor Carlos Evandro Eulálio pela  publicação recentíssima de seu  pequeno  volume Elementos de língua latina (Teresina, PI: Nova Aliança, 2013, 120 p., com  Apresentação do professor Mac Dowell Leite). 

A obra é realmente  sedutora, seja pelo conteúdo dosado com  perícia  didática, seja pela diagramação,  disposição  da matéria  ventilada, seja  por aquele  dado  - o de tornar agradável e fácil na aprendizagem -,  que capta logo a simpatia do leitor, do  adolescente ou mesmo do  adulto  que dela se acerque para uma aventura  deliciosa de aprender este  idioma  tão  fundamental  à formação  integral  do indivíduo   que almeje uma cultura  sólida, porquanto  o  estudo do latim  é  complemento  e lastro ao aprofundamento  dos estudos em língua  portuguesa. Diga-se, de passagem, que o latim  jamais será uma estudo anacrônico  e dispensável a qualquer  intelectual  exigente com  a sua  formação  cultural.

Me recordo,  de resto,  das obras  didáticas  do meu  tempo  de ginásio e mesmo  nos dois anos  de latim  superior  na universidade. No ginásio, os autores  didáticos em que estudei latim  na escola, ou sozinho, eram José Cretella Júnior, Vandick Londres da Nóbrega, Aída Costa, PE. Milton Valente, S.J., com os quatro volumes do Ludus e de sua  respectiva  gramática. As gramática latinas  eram a de Mendes de Aguiar, que pertencia a meu pai, e  a de  Ladislau Peter.  Havia igualmente em casa,  a Gramatica da língua latina, de Clintoc, do tempo de D. Pedro II, que era  também de meu pai.  Tenho um exemplar dela só que com  muitas páginas  faltando. Havia ainda  em casa um  prestigioso  dicionário latino, o Novíssimo  diccionario Latino-Portuguez, de F.R. dos Santos Saraiva, editado pela H. Garnier, Livreiro-editor, Rio de Janeiro, Rua do Ouvidor,  71 e Rue  des Saints-Père, 6, Paris, s/d.

 Tempos depois,  recebi de um amigo a Gramática  Latina, do P. João Ravizza (da Arcádia Romana). Nela estudou  meu  pai, quando aluno interno  do Colégio Salesiano   Santa Rosa, em  Niterói, nos anos vinte do século passado.A edição que tenho  é a décima quarta, publicada pela Escola Industrial Dom Bosco, em Niterói,  1958, 560 p. Meu pai foi aluno de Mendes de Aguiar, o autor da gramática acima   citada. Foi ele quem  traduziu para o latim o Hino Nacional Brasileiro. Em tempos mais  atuais,  tenho comigo a obra Latin, da coleção Teach  yourself books,  de autoria  de F. Kinchin Smith fundamentada no trabalho de W.   A.   Edward (Lon don: Hodder and Stoughton, revised edition,  8th impression, 1979, 344 p.)

A matéria daqueles  livros didáticos  era ensinada sem aquele  cuidado  necessário  a quem  aprende uma língua   que exige  esforço, muito esforço  pessoal e um professor  que a saiba  ensinar  com paciência,  com  cuidado e sem atropelos. Nisso  joga um papel nuclear  no sucesso do  aluno  a maneira de distribuir e de     expor  a gramática   latina, os exercícios  propostos. Os estudos  das declinações   e dos verbos são elementos-chave  sobretudo se aliados  a uma  controle  didático  da quantidade de vocabulário  com a sua  respectiva    significação  em português a ser  aprendida  pelo  educando, vocabulário  este que  se internaliza,  pouco a pouco,   no espírito do jovem e do adulto  quando  contextualizado com  cautela  e  suavidade.

O latim, assim como  o grego ou mesmo as línguas vivas, deve ser lecionado com vagar, paciência e  tempo  suficiente. Nada de atropelos, de açodamento  para  ensiná-lo a toque de caixa, sem que ao aluno seja  possibilitado  o fôlego  necessário a absorver  suavemente  a matéria  ensinada,  quer a gramática, quer a leitura ou mesmo,  a tradução e a versão. Remeto, sobre este assunto,  o leitor ao meu livro  Breve introdução ao curso de Letras: uma orientação (Rio de Janeiro: Litteris Ed.: Quártica, 2009, 117 p.) No capítulo  5 , “A importância do conhecimento  de idiomas,” o leitor pode  ver as sugestões  que lhe  apresento no tocante a línguas  modernas e bem assim  ao latim   e grego. Dou-lhe algumas dicas e ainda  faço  algumas sérias  restrições ao mau ensino  dessas duas línguas clássicas no curso superior de Letras.

O excesso de gramática,  exposta em  linguagem  rebuscada,   o peso  excessivo de vocabulário  apresentado ao aluno, numa palavra,   os capítulos   longos e aborrecidos, sem  nenhuma  preocupação de  ensinar  com prazer  e  dosagem certa  de conteúdo  acabaram, no passado,  com   o interesse dos alunos  pelo latim. Resultado: cursavam quatro  alunos de latim  no ginásio e, com  poucas exceções,  saíam  dessa fase do ensino  detestando o latim  e   despreparados até para ler  um texto  básico  da língua.

 O fato de memorizarem as declinações  e as conjugações de nada valiam  para eles, pois eram  incapazes de traduzir  os fabulistas  latinos, quanto mais o  De bello gallico, de  Júlio César e  as Catilinárias de Cícero ou de outro autor  latino. O que  havia era mera  decoreba de trechos  dessas obras, como preparação  ao ingresso  nos cursos  de Letras ou Direito.

Eis por que  aplaudo a obra Elementos  de língua latina, do professor  Carlos Evandro M. Eulálio. Não só aplaudo mas a recomendo aos jovens  estudantes  brasileiros. Tenho minhas  razões de estar entusiasmado. É porque este pequeno  livro  abrange  os instrumentos  básicos  da estrutura  do latim, sua gramática,  sua  sintaxe,  seu vocabulário  indispensável ao iniciante.  Enxutos, os seus capítulos  sabem equilibrar  o tanto  suficiente e  desejável aos primeiros  passos nessa língua. Cada capítulo  traz, em forma de epígrafe,  um provérbio,  uma frase sentenciosa,  um pensamento,  reunindo-os ao longo  do  livro, os quais servem para uma efetiva e proveitosa  reflexão  do aluno e do professor. No rodapé da página,  o autor lhes dá a tradução em vernáculo.

Constituído de doze lições bem  distribuídas,  sem cansar o aluno  ou o professor,  o autor abre o primeiro capítulo com uma  informativa  e utilíssima  história da língua  latina,  focalizando  sua  estrutura,  pronúncia,  flexões. Nos capítulos  seguintes,   ensina a declinações,  as conjugações, os pronomes relativos, preposições etc.,   no que ele denomina  “tópicos de gramática.” Ensina como  deve o aluno  procurar uma palavra no dicionário. Propõe  exercícios de tradução e versão. O livro  ainda  inclui um glossário de palavras gerais do latim com a tradução em português.

 O livro acrescenta, ao final,  uma chave de todos os exercícios  propostos nas respectivas  lições. Aliás, a utilização de chave de exercícios em livro didáticos  remonta há anos. A  antiga coleção FTD dos Irmãos  Maristas já usava chaves dos  exercícios. Este recurso, que talvez tenha origem  entre autores ingleses, hoje é amplamente  utilizado  no país e no exterior. A chave  de exercícios,   nos livros didáticos de Carlos Evandro,  é muito  proveitosa, não só para os alunos  das escolas que adotam   este  livro, mas também para aqueles   que estudam  sozinhos, aprendendo pela  primeira vez  o latim, ou senão  revendo os estudos  interrompidos  desta  língua. As referências  bibliográficas são atualizadas e certamente  auxiliarão  bastante os alunos que desejarem  avançar  no estudo  do latim.

 Aproveito o ensejo  desta  resenha  para formular um  pedido ao autor: que ele,  quando possível,  ainda  publique pelo menos mais dois volumes dando sequência ao estudo do latim no ensino médio. Bem sei que seu  livro anteriormente  editado, Latim  forense para estudantes (Teresina,PI: Nova Expansão Gráfica e Editora Ltda.,  2009, 211 p. poderia  ser um complemento  do  volume ora  publicado, que visa  a um público-alvo  específico, embora, em linhas gerais,  siga os mesmos  procedimentos didáticos  do segundo livro do autor para o  ensino  do latim.

Quando falo de mis   dois  volumes para  os Elementos de língua  latina me refiro  a volumes  que  possam  atingir níveis de texto de autores  básicos  da literatura  latina,  os fabulistas, por exemplo,  maior  aprofundamento  da  sintaxe e inclusão de  textos  de César, Cícero e de outros  escritores latinos  menos complexos. Aguardo que os dois livros  de Carlos Evandro  consigam  alcançar  o sucesso  que merecem. Com publicações didáticas  iguais a estas,  vejo  com  muito orgulho    que o estado do Piauí  já dá mostras  de uma produção científica no domínio  do livro didático. O caminho está aberto para  outros autores  nas diversas disciplinas  do currículo do ensino  fundamental e médio.