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Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...
Mario Quintana
Os italianos a chamam de vendetta, enquanto nós, brasileiros, pensamos apenas em termos de desforra. Enfim, não importa o nome que se dê a ela, a vingança é um dos sentimentos mais fortes e presentes na natureza humana.
Especialistas esclarecem que o desejo de vingança atua em uma área do cérebro chamada núcleo caudado, responsável pela satisfação da recompensa. O mais estranho é que esse sentimento ativa o mesmo sensor cerebral que é ligado ao prazer de beijar alguém. Esse é o motivo de se desejar repetir o gesto; como ele gera uma sensação agradável, a pessoa fica com vontade de fazer de novo. Logo, beijar e querer vingar-se, além de terem a mesma origem, provocam o mesmo tipo de resposta.
Contudo, apesar da vingança parecer tão prazerosa no momento em que é praticada, hoje existem estudos que apontam para o fato de que nutrir sentimentos vingativos pode causar danos à saúde. Alguns pesquisadores chegam a associá-la a doenças gástricas – gastrite e úlcera –, até a perturbação do sono e da criatividade.
Portanto, o problema está posto: vingar-se, além de não ser um sentimento positivo, causa prejuízo à saúde. Fica, então, a pergunta: será que existe alguma maneira de as pessoas se tornarem imunes a ideias – principalmente as obsessivas – de revanche?
Minha resposta sincera seria um simples e objetivo não. Não consigo ver como nos tornaremos imunes a um sentimento que tem como combustível outra emoção muito forte no ser humano, a raiva. Toda vez que pensamos em nos vingar e, portanto, em querer de alguma maneira o mal de alguém, estamos dominados pela necessidade de termos o nosso ponto de vista ou a nossa vontade satisfeita. Se isso não ocorre, sentimo-nos injustiçados, rejeitados, feridos nos nossos sentimentos mais profundos e a reação mais comum é o desejo de provocar na pessoa que nos feriu a mesma dor.
Trata-se, portanto, de um ciclo vicioso. Ciclo no qual muitas pessoas se vêm envoltas a ponto de suas vidas girarem exclusivamente em torno da raiva que sentem e da vingança que querem infligir. Além disso, costumam “cozinhar” esses sentimentos em uma “fogueira” chamada silêncio. Nela, mágoas são cultivadas, muitas vezes por um longo tempo, quando o mais fácil seria dizer o que se pensa, explicando a quem nos magoou como estamos nos sentindo.

A grande dificuldade é que não existem receitas milagrosas quando o assunto são os nossos sentimentos e emoções. Todavia, alguns filósofos e pensadores defendem que o melhor antídoto para a vingança é o esquecimento. Jorge Luis Borges, por exemplo, dizia: “Eu não falo de vingança nem de perdão, o esquecimento é a única vingança e o único perdão”.

E este é o problema no qual todo o indivíduo, cedo ou tarde, acaba esbarrando: a necessidade de perdoar. Somente quando perdoamos é que conseguimos reunir as condições necessárias para esquecer e, consequentemente, para não nos deixarmos levar por sentimentos vingativos. No entanto, todos já sentiram na pele que é mais fácil falar (ou escrever) do que agir. Perdoar é um verbo de difícil conjugação, principalmente quando estamos aferrados a ideias que insistimos em considerar absolutas e inquestionáveis.

Enfim, nutrir rancores, sentir raiva, não perdoar e ainda querer vingar-se de todas as pessoas que, de alguma maneira, se opuseram a nós é a melhor maneira de construir uma vida infeliz. Como não há propósito na infelicidade, só nos resta aprender com os nossos erros, investir no autoconhecimento e aceitar que as pessoas pensam diferente de nós e que, portanto, precisamos antes de tudo, ouvir. Apenas quando realmente ouvimos é que estamos prontos para esquecer os rancores, as raivas e os vis sentimentos de vingança. Afinal, o gesto de querer beijar a pessoa amada não deve – ou não pode – ser confundido com uma necessidade – vazia e sem objetivo – de querer o mal de alguém.