Cunha e Silva Filho


                         Robert Southey ( 1774-1843) foi um poeta romântico inglês, considerado pela história literária como poeta menor. Notabilizou-se por haver escrito uma biografia de Lord Nelson. Também é conhecido por ser o autor de uma bem apreciada História do Brasil.
Southey escreveu extensos poemas épicos, hoje praticamente esquecidos. Segundo informa John Burguess Wilson1, o poeta tinha grande predileção pelo exotismo, como bem ilustra sua obra Thalaaba, cujo foco central é o mundo islâmico. Uma outra obra sua, The curse of Kelama, privilegia temática indiana.
                        O poema que o leitor vai ler ao final deste comentário,2  conquanto não se encaixe dentro dos melhores poemas românticos ingleses de um Keats, de um Byron ou de um Shelley, ressalta traços estruturais, a meu ver, muito fortes e significativos da linguagem literária inglesa: a sonoridade e a capacidade descritiva, sendo o primeiro no gênero poético, e o segundo, tanto no poético quanto na ficção.
                         Com a alta taxa de recorrência no uso da onomatopéia, graças à rara habilidade de feliz escolha dos vocábulos e sua correspondência à sonoridade exigida pela especificidade do tema, o poema conduz o leitor, mesmo que este não o leia em voz alta, a um conjunto de sons que nos permitem, se não visualizar a descrição das origens de uma catarata, pelo menos fazem repercutir na nossa audição todas as filigranas, as minúcias dos ruídos múltiplos provocados tanto pelo espaço físico-paisagístico quanto pela maestria na seletividade da enorme quantidade de verbos de ação no gerúndio.
                      No diálogo entre o sujeito poético e seus filhos, o que foi combinado era que a história da Catarata de Lodore3 fosse composta com rimas. Entretanto, não é o recurso delas somente que faz do poema um peça melhor. O que o valoriza é a variabilidade das onomatopéias. Há ainda outra particularidade que engrandece o poema – o seu forte apelo lúdico que tem como destinatário o interesse das crianças, para quem certamente os diversos sons vocálicos e consonantais passam a ser uma forma de recreação aos ouvidos delas e, claro, dos adultos.
Vogais e consoantes formam no poema uma espécie de orquestração muito rica de um ponto de vista da estilística fônico-semântica. Seria isso mero e extravagante ludismo fônico do autor? Absolutamente.
                    O ludismo tem aí sua função. Serve às crianças, a quem o poeta dedicou esse poema? Sim, pelo ritmo, pelos efeitos sinestésicos, pela repetição vocálica, pela variabilidade do timbre dos sons vocálicos, com a tônica representando diferentes gamas de fonemas das vogais inglesas em verbos no gerúndio. O efeito logrado pelo poeta assenta-se na escolha perfeita misturando fonemas vocálicos e consonantais diversos e com o inequívoco intuito de produzir imitações de ruídos e tonalidades causados pelo fluir das águas na irregularidaade e nos inúmeros obstáculos enfrentados pela correnteza em direção ao seu ponto máximo, que é  a formação da queda d’água, da Cachoeira de Lodore.2 As águas de Lodore não se cingem apenas ao seu próprio ruído, mas se expandem às outras vozes da Natureza, e até mesmo poderíamos falar em antropomorfização de alguns ruídos copiosamente reunidos nessa orquestração de sons e movimentos.
                 Essa seqüência de sonoridades díspares, reunindo sons iguais, aproximados ou diferentes, não passa de uma singular e bela tentativa de reproduzir pela linguagem poética a força colossal das águas no instante em que se transformam em cascata. Isso é o há de mais surpreendente na construção interna do poema.
                Reproduzir todos esses matizes acústicos, trazer o leitor para a interioridade polifônica do poema formada das mais minuciosas mudanças de movimentos, ações, e sobretudo efeito sinestésicos, segundo já assinalamos, é suficiente para admirarmos a técnica e os recursos de linguagem instrumentalizados por Southey. Com certeza esse poema não é uma peça de qualidade menor. Sua originalidade havemos de encontrar na própria fundamentação dos recursos sonoros, cujo destaque valorativo é o jogo certo do poético.

A CATARATA DE LODORE

Robert Southey

1.. - De que modo desce
A água de Lodore?
Perguntou-me, certa vez, meu filhinho
Querendo que lhe mostrasse tudo
E o fizesse em forma de versos rimados
Logo logo, ouvindo isso
Primeiro surgiu a irmã
Depois, outra, para repetir e reforçar
O pedido do irmãozinho:
Saber de que modo a água
De Lodore despencava
Com seu ímpeto e seu rugido,
Tal como tantas vezes a viram antes.
Dessa maneira, lhes narrei em rimas
Pois de rimas entendo do riscado.

Isso com talento dominava

Para seu regozijo a mim
Cabia cantar-lhes
Já que para elas Laureado era
Tanto quanto era rei.

2. Desde suas origens
Que bem vinham dar no lagozinho montanhoso;
De suas nascentes
Nas montanhas,
De seus canais e córregos,
Através de musgos e matagais
Correm suas águas , que se arrastam
Por um momento até adormecerem
No próprio lagozinho.
Daí pra frente, dando partida
Passam elas pelos juncos
E, na distância, se perdem
Pelos prados e clareiras
Sob sol, sob sombras,
Sob o abrigo das florestas,
No meio dos despenhadeiros em sua agitação,
Confusamente,
Precipitadamente.
Neste ponto vêm cintilando,
Mais adiante, jazem se escondendo;
Agora esfumaçando, espumando
Tumultudas, raivosas
Até que, nesta célere corrida,
Formando uma curva,
Alcançam o lugar
Na sua íngreme queda.

3. A portentosa queda’água
Lança-se das alturas,
Batendo, se enfurecendo,
Como se combatendo em guerra estivesse
Entre cavernas e rochas,
Erguendo-se, saltando,
Afundando-se, se arrastando,
Inchando, varrendo,
Inundando, pulando,
Voando, se arremetendo,
Contorcendo-se, retinindo,
Redemoinhando, espanando,
Esguichando, cabriolando,
Volteando, torcendo
Incessantemente,
Com um reboar sem fim;
Golpeando, lutando,
Numa visão bela nunca antes vista;
Desconcertante, ensurdecedora.

4.. Reunindo, projetando,
Retardando, se apressando,
Chocando-se, sacudindo,
Dardejando, dividin do,
Enfileirando, espalhando,
Zunindo, sibilando,
Gotejando, saltando,
Batendo, rachando,
Brilhando, juntando,
Ribombando, pelejando,
Sacudindo, estremecendo,
Ondulando, enfurecendo,
Agitando-se, cruzando,
Fluindo, se removendo,
Correndo, assustando,
Espumando, vagando,
Atroando, enovelando,
Caindo, saltando,
Esforçando-se, arrancando,
Borbulhando, grunhindo.

5,. Reluzindo, se fragmentando,
Reunindo, flutuando,
Alvejando, brilhando,
Agitando-se, se despedaçando,
Apressando-se, levemente correndo
Trovejando, se esponjando,

 

 

6. Reluzindo, se fragmentando, flutuando,
Caindo, brigando, se expandindo,
Empuxando, rasgando, se esforçando,
Salpicando, cintilando, se encrespando,
Reboando, ricocheteando, se multiplicando,
Trovejando, troando, desabando,
Estalejando, bombardeando, se esfacelando.

7. Retorcendo, batendo, encontrando-se, se cobrindo,
Retardando, se perdendo, brincando,
Avançando, empinando, reluzindo, dançando,
Rechaçando, tumultuando, mourejando, fervendo
Vislumbrando, fluindo, evaporando, irradiando,
Precipitando-se, borbotando, esbarrando, esguichando,
Agitando, golpeando, estrondando, esbofeteando,
Espiralando, rodopiando, remoinhando, girando,
Golpeando surdamente, baqueando, colidindo,pulando,
Salpicando, flamejando, esparramando, estrepitando,
Incessantemente, sempre, porém, em queda,
Para todo sempre misturando-se sons e movimentos,
Num só jato, num todo indiviso,
Assim saltam as águas de Ladore.

 

Notas:

1.  BURGUESS WILSON. John. English  literature. – a survey for students. London: Longmans, 1970, p.224.

2..Desta vez, por ser um tanto longo o poema, não apresento ao leitor a minha tradução na forma bilíngüe, segundo venho adotando nesta coluna. O orignal em inglês extraí de; SERPA, Oswald. Easy English. Rio de Janeiro, 1935, s.ed., p. 149-153.

3. Catarata de Lodore fica no Condado histórico de Cumbria, no extremo noroeste da Inglaterra. Na realidade, como se costuma afirmar, esta catarata, como outras, são maravilhas turísticas temporárias, que, para tomarem vulto, necessitam de muita chuva, em determinados períodos do ano. A sua localização fica logo acima de lago Derwent Water, todos na região de Cumbria. Nos tempos secos, a Catarata de Lodore vira um filete d’água.
  A descrição desse tipo de  cachoeira, em razão das justificativas acima,  é, por isso, considerada uma licença poética. A sua posição geográfica faz parte de outras quedas d’água, como o lago de Watendlath