Cunha e Silva Filho


                 Na viagem, Mr. Pyncheon aportara na Praça do Transporte Chegara a Braspafut depois de uma cansativa obrigação marítima de duas semanas. Estranhou que, na Alfândega, todos os funcionários o trataram bem acima do esperado, pois apenas lhe fizeram algumas poucas perguntas em inglês, que foram respondidas também em inglês. Ele próprio não sabia se expressar bem na língua local, mas sabia ler no original da língua. Portanto, ao comprar um jornal ali mesmo na Praça, passara os olhos nas manchetes principais. Não era um jornal de primeira nem de segunda linha. Apenas um jornal popular, no qual se dava destaque especial a notícias policiais: balas perdidas, homicídios e crimes de policiais contra inocentes e até de assassinatos contra policiais por marginais. Algumas outras seções do jornal falavam de assuntos de política local e nacional. Minúsculas seções se destinavam a notícias internacionais, economia, o dia-a-dia da cidade. No entanto, uma boa parte do jornal só cobria notícias esportivas. O grosso do periódico compreendia, na verdade, as seções de classificados e publicidade. Outros pequenos espaços continham colunas diversificadas: horóscopos, palavras cruzadas, orações do santo do dia, resultados de loterias quebra-cabeças, fotos de mulher semi-pelada acompanhadas de comentários libidinosos, uma coluna social chinfrim etc. 
             Mr. Pyncheon, que lia bem a língua dos nativos, ficou escandalizado com o que lia sobre aquela cidade, ou melhor, sobre aquele país. Se lembrou naquela instante de que a sua Nova York nos tempos de Al Capone se parecia com o que acontecia em Braspafut. Dominava a cidade a mob de tradição italiana, senhora do destino da  vida e da morte. Qualquer traição ou deslize fora dos padrões esotéricos da organização tinham um destino certo. Não havia como fugir ao destino certo e inescapável: um corpo na rua crivado de balas.
            Desembaraçado da burocracia alfandegária,  e acompanhado de um carregador sorridente por uma gorjeta, lá fora, naquele cair da noite, Pyncheon acenara para um táxi e, lendo uma agenda um tanto antiga, arranhando  na expressão oral do  idioma  falado daquele país,indicara o nome do hotel na zona sul da cidade. Não conversou um só vez com o taxista durante o percurso já vencido e que, agora, atravessava uma longa e bela avenida ladeada de prédios novos e velhos. Na rua os postes já estavam iluminados. Logo via a beleza incomum do mar, mais adiante uma baía com praia magnífica, porém deserta àquela hora. Do lado esquerdo via novamente prédios velhos, belíssimos, provavelmente das décadas de quarenta e cinqüenta do século passado de mistura com novos edifícios mais altos. Mais adiante, via, maravilhado, uma enseada com praia exuberante, porém deserta àquela hora. Do lado esquerdo, descortinava novamente uma fileira de construções antigas e elegantes, ao lado de outras de arquitetura moderna. Havia um brisa quase fria penetrando no interior do carro, que lhe dava uma sensação de liberdade e de saúde. A paisagem da enseada brilhava do outro lado, onde se viam pequenas embarcações, pequenos barcos, canoas, ancorados. No horizonte, lindas montanhas, um deslumbramento para os olhos de um estrangeiro.
           O carro seguia em velocidade média. Penetrara num túnel, depois, em outro, Ao dobrar, m ais adiante, à direita, entrava numa rua velha e famosa, uma das mais conhecidas da cidade. De repente, seu táxi  foi fechado por um outro veículo, um carro importado, de vidro fumê. Rapidamente, o carro que fechara o táxi com Pyncheon, se colocou em frente, barrando-lhe a passagem. Saltaram, velozes, três jovens bem vestidos e abordaram o taxista. Pyncheon não entendeu nada. O taxista, um moço beirando meia idade, saiu do táxi e parecia, nervoso, conversar, com os rapazes.
           Pyncheon, perplexo, com a interrupção da viagem, se encolheu sem falar coisa alguma. Um dos jovens, então, abriu uma das portas de passageiro e, simplesmente, com um revólver 38, apontou-o para o estrangeiro que, diante da situação inopinada, esboçou movimento maquinal com uma das mãos para um dos bolsos da calça. Neste átimo, ouviu-se um tiro abafado que lhe veio penetrar rente no pescoço. Pyncheon, baleado, balbuciou ainda no seu próprio idioma: - My God... why have you fors....?
         Dali a pouco, um círculo de curiosos se formou junto ao táxi. Meia hora depois, um carro do Corpo de Bombeiros encostou. O corpo foi levado para o necrotério. O resto da estória você, leitor, complete, melhore ou desconsidere, segundo a experiência que possa ter dessa tragédia  já banalizada e mais ainda  localizada.