TROPEL DE GIGANTES: MARTIM CERERÊ -
Por Rogel Samuel Em: 22/11/2013, às 14H21
TROPEL DE GIGANTES: MARTIM CERERÊ -
CASSIANO RICARDO
TROPEL DE GIGANTES
Cassiano Ricardo
E a vila que se fundara
por trás do muro da Serra
(a princípio eram só três)
Logo é um covil de Gigantes.
A cavaleiro do mato,
que é o sertão de Nunca Dantes.
Felpudo, trancando a Terra;
e espesso, na manhã clara.
E os Gigantes, nunca vistos,
e seus filhos numerosos,
nascidos no alto da Serra,
têm nomes tão sugestivos
que lembram caricaturas
de suas próprias figuras.
Quem são eles? quais seus nomes?
Os Sardinhas, pai e filho.
Os três Fernandes: André,
Domingos e Baltazar.
Botafogo, André de Leão
de juba atirada ao vento.
Outro se chama Raposo,
feroz, calçudo, briguento.
(Raposo, para entrar no mato,
assina logo um contrato
com a morte, o seu testamento.)
Manuel Preto que, de preto,
só tem o nome, dá a ideia
de ir deixando tudo preto.
Borba Gato lembra um gato
rajado de ouro, que salta
no peito de um Moribeca,
à hora certa, em pulo exato.
Fernão é o gigante louro
que, em vez de caçar o bugre,
vai é à caça da esmeralda.
Anhanguera é o Diabo Velho
carantonha verde-crua,
que tem um olho de sol
e outro, branco, como a lua.
E o Gago? e o Tumurucaca?
E o rude Pascoal Moreira
fronteiro do mato em grosso?
E o Pay Pirá? e o Caga-fogo
De sobrancelha vermelha?
E Domingos Jorge Velho
de colar negro ao pescoço?
E o Manco e o Jaguaretê?
E o Polaio? e o Pé de Pau?
E o Apuçá? o Bixira, e “El Tuerto”?
E o Negro, “Tuerto de um Ojo”
que irá surrar o espanhol?
E uns após outros, faiscantes
“nós nunca fomos vassalos!”
Formando uma nova gente,
que o mundo não tinha visto
antes e depois de Cristo,
partem, com as suas bandeiras
que são grupos aguerridos
de brancos, índios e pretos,
todos nascidos, de novo,
no sangue de um mesmo povo,
cada um valendo por três,
ou todos de uma só vez,
partem levando nas botas
um barulhão matutino
para o mais vário destino...
RICARDO, Cassiano. Martim Cererê (o Brasil dos meninos, dos poetas e dos heróis). 13.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974: 58-59.