Três haicais de Luiz Bacellar
Por Flávio Bittencourt Em: 17/07/2012, às 17H31
[Flávio Bittencourt]
Três haicais de Luiz Bacellar
Zemaria Pinto apresentou-os em fevereiro de 2009.
NO PAÍS DAS AMAZONAS:
BANANA FRITA EXPOSTA EM
AMBIENTE FLUVIAL, VALE DIZER, EM
MOTOR-RECREIO DA NAVEGAÇÃO PELOS
CAUDALOSOS RIOS QUE CORTAM A
FLORESTA LATIFOLIADA TROPICAL,
COLOCADA [A BANANA FRITA,
NÃO A FLORESTA!] À VENDA, COM SALVA-VIDAS
POR DETRÁS:
(http://come-se.blogspot.com.br/2008_04_01_archive.html)
O CINEASTA DA SELVA (Silvino Santos),
Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=JD0aFzSbZIc
(http://sp.quebarato.com.br/sao-paulo/piano-antigo-f-l-neumann-hamburg__105F87.html)
(http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=498411&page=4)
A SRTA. LARISSA RAMOS (MISS TERRA 2009, NAS FILIPINAS),
QUE ESTUDOU NA ESCOLA TÉCNICA DE MANAUS:
http://belezaamazonas.blogspot.com/2009/11/e-miss-earth-2009-e-miss-brazil-larissa.html)
Piano variation on "Masterpiece"
['Obra-prima', NOME MÚSICA DE
MADONNA / JULIE / HARRY],
Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=JeqNPYG-ch0,
onde se lê:
"Piano variation arranged and performed by Roberto Lorenz"
Búfalos na estrada.
A lua viaja nos
lombos da manada.
LUIZ BACELLAR
Vamos conhecer as obras literárias do poeta Zemaria Pinto,
Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=HKER7E-6L1Y
Rua Grande, poema de Rogel Samuel,
Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=W9zPR40zr18
LUIZ BACELLAR,
Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=DX6EDMOUOVc
Escola Estadual Agnello Bittencourt Manaus Amazonas,
Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=iTrVZnl5vFY
Estádio Vivaldo Lima o Vivaldão,
Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=lBv8n9Q0e3Q,
onde se pode ler:
"O estádio Vivaldo Lima após todos estes anos deverá ser demolido em virtude da copa de 2014, estas imagens são para guardar do velho Vivaldão" (Vigaloz)
HOMENAGEANDO OS GRANDES POETAS AMAZONENSES
LUIZ BACELLAR,
ROGEL SAMUEL E
ZEMARIA PINTO,
AOS QUAIS SE DESEJA MUITA SAÚDE,
PAZ E VIDA LONGA E EM MEMÓRIA DAS SEGUINTES PERSONALIDADES:
AGNELLO BITTENCOURT (1876 - 1975),
SILVINO SIMÕES SANTOS SILVA (1886 - 1970) E
VIVALDO PALMA LIMA (1877 - 1949)
17.7.2012 - Zemaria Pinto apresentou três haicais de Luiz Bacellar - Ensina o Prof. Dr. Zemaria Pinto que o grande poeta amazonense Luiz Bacellar foi o primeiro a divulgar o haicai no Amazonas, em seu livro Frauta de Barro (1963). [O ESTÁDIO AMAZONENSE, ANTIGO VIVALDÃO, DEVERIA SER o (novo) ARENA VIVALDÃO, HAJA VISTA QUE NO DISTRITO FEDERAL (BRASIL), O POVO NÃO PERMITIU QUE SE TIRASSE O NOME DE MANÉ GARRICHA DO NOME DO ESTÁDIO PARA QUE SE CHAMASSE Arena Brasília OU ALGO PARECIDO, NA CONSTRUÇÃO DAS NOVAS ARQUIBANCADAS (e cabines de rádio, tribuna de honra, setor de cadeiras etc.) DO CAMPO DE FUTEBOL PARA A COPA DE 2014!] F. A. L. Bittencourt ([email protected])
"Três haicais inéditos de Luiz Bacellar
por Zemaria Pinto
Em meio a tanta miséria intelectual, ganhei do amigo Luiz Bacellar um presente sublime: a honra de publicar três poemas inéditos seus – de uma vez. E quero divulgar o fato em primeiríssima mão (sei do cacófato) aqui, com você.
Em primeiro lugar, só para colocar a todos no mesmo nível (ó pedantismo, teu nome é professor!), vamos falar rapidamente sobre o haicai, uma forma poética tipicamente japonesa, surgida no século XVI, como um jogo de salão. Infelizmente, alguns haijins (é assim que se chamam os fazedores de haicais), maus poetas, continuam a tratar a forma como se fosse um mero jogo e não poesia.
Alguns pontos: o haicai não admite sentimentalismo – nada de dor de cotovelo ou de chifres. Sobretudo, o haicai não prescinde de uma boa dose de humor – não o humor cômico, cearense, zombeteiro, mas a graça, a presença de espírito. A relação com o zen-budismo, que, em sã consciência, nenhum haijin admite (para não misturar alhos com bugalhos, afinal poesia e religião não combinam), está nas raízes do haicai: tudo no mundo é transitório, impermanente, efêmero. Por outro lado, o zen não se admite como um ser isolado, mas como parte indissociável de um todo. Assim, podemos concluir que a característica primordial do haicai é a observação da natureza e seu ciclo essencial: nascimento, vida, morte. Simples, não?
Mas vamos ao Bacellar, o primeiro a divulgar a forma no Amazonas, em seu livro Frauta de Barro, de 1963.
Luar de agosto.
No alheio telhado ao lado
concerto de gatos.
O primeiro poema descreve uma alegre fornicação felina. O luar de agosto nos informa que é noite de verão (para nós, amazônidas). Noite quente. O toque sutil ocorre em nominar a algazarra como “concerto”.
Búfalos na estrada.
A lua viaja nos
lombos da manada.
O segundo poema é de uma plasticidade extraordinária. Abstraia: uma viagem noturna de búfalos. As sombras negras se movimentam, levando com elas a lua “nos lombos da manada”.
Noite de piracema.
A lua indiscreta mostra
a rota do cardume.
O terceiro poema nasceu na minha frente, documentado na foto acima. De novo, a plasticidade ímpar: o cardume, de encontro à nascente, brilha à luz da lua.
Os três poemas, você percebeu, são instantâneos que refletem o eternamente contínuo e o instante único, relampejante. Luar de agosto, búfalos na estrada, noite de piracema representam a condição geral (temporal e/ou espacial) do poema. Não há poesia, ou melhor, há apenas uma poesia natural. A poesia enquanto criação explode mesmo é na sequência das imagens.
O haicai é uma arte difícil dentro da sua simplicidade. Talvez por isso as crianças têm enorme facilidade para apreender o que os haicaístas chamam de “espírito do haicai”: uma poesia antiliterária, surpreendente como um artefato capaz de fazer brotar a beleza a partir da banal (e miserável) realidade cotidiana.
Zemaria Pinto é professor de Teoria da Literatura e de Literatura Brasileira, membro da Academia Amazonense de Letras
(http://omalfazejo2.wordpress.com/2009/02/16/tres-haicais-ineditos-de-luiz-bacellar/,
16.2.2009)
===
ESCREVEU ROGEL SAMUEL
(FEV. / 2011):
"Quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
LUIZ BACELLAR
LUIZ BACELLAR
Rogel Samuel
Ele é o poeta maior da Amazônia. Escreveu pouco. Retrata tardes
manauaras, quentes, ensolaradas, vazias, quase inúteis. Fala de
quintais, saputilheira, dos sanhaçus, da prata das aranhas. Da infância,
da "PORTA PARA O QUINTAL":
Bem haja o sol e a brisa neste canto!
Cá fico maginando a tarde inteira
deixando relaxar nesta cadeira
de embalo o corpo bambo de quebranto.
Brincam nas folhas da saputilheira
brilhos metalescentes, cor de amianto
saltitam sanhaçus de curto canto,
aranhas tecem prata na trapeira.
As telhas debruçadas dos beirais
vão com as calhas de lata, lá entre elas,
coisas de chuva e vento conversando
quais velhinhas comadres; nos varais
a roupa brinca de navio de velas
minha infância perdida reinventando...
Ele já viveu numa casa brasileira bem grande. Bem interiorana. Conhece a
porta, sua paisagem - o quintal, árvores, varais, infâncias, o passado.
A porta para o quintal dá para vida voltada sobre si mesma, para dentro,
o recolhido, uterino. Não a porta do espaço público. Mas do interno. A
rua difere, como no "rondel da cana":
caba - colete
rolete - cana
danças na rua
tua pavana,
dança que a tua
dança é geral
dançada ao vento
do canavial
Há uma hierarquia metafísica na poesia, na poética do seu encontro com
sua cidade. A poesia de unidade, de tempo, aquela cidade ficava uma
pacata província pós-moderna (moderno foi o extrativismo da borracha),
pós-modernismo decadentista, o da econômica crise dos 50 anos - de 1912
a 1962.
No texto fragmentos do passado recente, destruído pela civilização de
shopping da "zona franca". Manaus devagar, tudo se centralizava na
Avenida Eduardo Ribeiro e poucas mais. Manaus de chafarizes, estatuária
afrancesados. Manaus das tacacazeiras. Da lembrança.
Ponha, numa cuia açu
ou numa cuia mirim
burnida de cumatê:
camarões secos, com casca,
folhas de jambu cozido
e goma de tapioca.
Sirva fervendo, pelando,
o caldo de tucupi,
depois tempere a seu gosto:
um pouco de sal, pimenta
malagueta ou murupi.
Quem beber mais de 3 cuias
bebe fogo de velório.
Se você gostar me espere
na esquina do purgatório.
(Receita de tacacá)
Às vezes o poema se inventa clássico, como no "rondel do sapoti":
pardo mamilo
de cunhatã
que aromatizas
o ar da manhã
tua rosa polpa
destila mel
poma leitosa
doce farnel
tuas duras folhas
verdes espelhos
bisando o sol
a passarada
te faz varanda
para o arrebol
Quando vou a Manaus, das primeiras pessoas que encontro é Bacellar. Ele
aparece, fidalgo (que é), sai da moldura de um quadro de símbolos
antigos: pontes, feiras, S. Jorge, Cachoeirinha, São Sebastião. Sai com
seus "Sonetos provincianos", "Três noturnos municipais", "Romanceiro
suburbano", "Sol de feira". Existe um caso de amor com aaquela cidade
em cada poema. Ele a ama, e nela se reconhece:
Como um prisioneiro
a lua me espia pelas
grades do banheiro.
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7 HAIKU
L Bacellar
Névoa da manhã
e o pio do caboré
com frio.
Alguidar de barro
deixado ao relento.
Nadam girinos.
Esse vento que tem
gosto de melaço,vem
lá do canavial.
Ah... pingos frios
Sobre as pêonias.
Garoa noturna.
Um barulho mole
depois esse cheiro...
Caiu uma jaca!
Um novelo
desmancha outro novelo.
Um gatinho.
Sempre atarefado
o vento frio do outono
varre folhas secas.
Um Pincel de Barba
Estava ali
sobre o muro
do pátio ao sol.
Para esterilizar
e secar
depois de eu ter rapada
a cara.
Blairreau,
objeto de luxo,
pêlos de texugo
(o guaxinim nordestino
que pesca caranguejo
enfiando o rabo nos buracos do mangue,
e fica ganindo baixinho, esperando
o ataque das pinças
para puxá-lo,
lavá-lo e
comê-lo.)
E veio aquela
violenta ventania
o transforma num cometa:
peluda cauda esparramada,
o cabo de lucite faiscante,
— semente de dente-de-leão
ao vento abrindo o pára-quedas natural —
vai cair do vizinho
no quintal.
Então
vem-me a tentação
de deixá-lo por ali
sobre o monturo
qual numa semente cristalina uma
flor.
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Soneto da Caixa de Fósforos
Minha cápsula de incêndios,
meu cofre de labaredas!
Meu pelotão de alva farda
e altas barretinas pretas:
se só num níquel quem vende-os
lhes aquilata o valor,
teus granadeiros da guarda
não se inflamam de pudor!
Fiat Lux do meu verso,
símbolo vivo do amor:
qualquer fricção te incendeia,
te arranca estrelas de dor,
minha gaveta de chamas
com sementes de calor.
("Frauta de Barro", 1963)
Balada das 13 Casas
São 13 casas unidas,
são 13 casas nascidas
no mesmo lance de rua,
com as mesmas paredes-meias,
os mesmos oitões de taipa,
a mesma fachada nua
e as mesmas janelas tristes
de 13 casas na rua.
Unidas? Bem... desunidas
nos problemas dos que habitam
suas paredes estanques;
mas juntas, pelo beiral,
pelos caibros de itaúba,
pelas telhas de canal
de 13 casas na rua.
E as famílias que moravam
(ainda algumas demoram)
nos tempos do berimbau?
Lembro: Cabelo-de-Fogo,
família Boca-Medonha,
a família Macaxeira
e a família Bacurau
das 13 casas da rua.
Das 13 só restam 11:
2 foram demolidas
pra dar lugar a um convento
de padres redentoristas
que, não contentes com isso,
de Tocos para Aparecida
mudaram o nome do bairro
das 13 casas da rua.
Numa delas eu vivi,
numa outra me criei,
e talvez venha a morrer;
quanto às outras, pelos donos
foram sendo reformadas,
gente próspera e "elegante"
como atestam as fachadas
das 13 casas da rua.
Apenas esta onde moro
de casa velha coroca
conservou a identidade
ainda usa arandelas,
calhas, tabiques, escápulas,
com manias e pirraças
de quem "viveu" outra idade
das 13 casas da rua.
Senhora Dona Donana
(Anna Henriqueta da Cunha),
ex-dona do quarteirão
irmão no estilo e argamassa,
a vós dedico e consagro
esta balada sem graça
em memória das antigas
fachadas, já derrubadas,
das 13 casas da rua.
( "Frauta de Barro", 1963)
O lírio levanta
no meio da noite
seu copo de leite
Se o laço do obi
voasse ao ikebana.
Borboleta azul?
Formigas na porta
carregam o corpo
da cigarra morta.
Se mira na poça
de lama do pátio
a lua vaidosa
Choveu de manhã:
as lagartas abrem trilhas
na folha de urtiga
Como um prisioneiro
a lua me espia pelas
grades do banheiro
PORTA PARA O QUINTAL
Bem haja o sol e a brisa neste canto!
Cá fico maginando a tarde inteira
deixando relaxar nesta cadeira
de embalo o corpo bambo de quebranto.
Brincam nas folhas da saputilheira
brilhos metalescentes, cor de amianto
saltitam sanhaçus de curto canto,
aranhas tecem prata na trapeira.
As telhas debruçadas dos beirais
vão com as calhas de lata, lá entre elas,
coisas de chuva e vento conversando
quais velhinhas comadres; nos varais
a roupa brinca de navio de velas
minha infância perdida reinventando...
Flauta de barro
Receita de tacacá
(para Umberto Calderaro Filho)
Ponha, numa cuia açu
ou numa cuia mirim
burnida de cumatê:
camarões secos, com casca,
folhas de jambu cozido
e goma de tapioca.
Sirva fervendo, pelando,
o caldo de tucupi,
depois tempere a seu gosto:
um pouco de sal, pimenta
malagueta ou murupi.
Quem beber mais de 3 cuias
bebe fogo de velório.
Se você gostar me espere
na esquina do purgatório.
alguns 'haiku'
de satori
luiz bacellar
sempre perseguido
o grilo fica tranquilo
cantando escondido
na mira da poça
de lama do pátio
a lua vaidosa
o barulho d'água
caindo no tanque vazio
refrigera a alma
rajadas de chuva
sobre o teto de alumínio:
sons da lua fria
Balada das 13 Casas
São 13 casas unidas,
são 13 casas nascidas
no mesmo lance de rua,
com as mesmas paredes-meias,
os mesmos oitões de taipa,
a mesma fachada nua
e as mesmas janelas tristes
de 13 casas na rua.
Unidas? Bem... desunidas
nos problemas dos que habitam
suas paredes estanques;
mas juntas, pelo beiral,
pelos caibros de itaúba,
pelas telhas de canal
de 13 casas na rua.
E as famílias que moravam
(ainda algumas demoram)
nos tempos do berimbau?
Lembro: Cabelo-de-Fogo,
família Boca-Medonha,
a família Macaxeira
e a família Bacurau
das 13 casas da rua.
Das 13 só restam 11:
2 foram demolidas
pra dar lugar a um convento
de padres redentoristas
que, não contentes com isso,
de Tocos para Aparecida
mudaram o nome do bairro
das 13 casas da rua.
Numa delas eu vivi,
numa outra me criei,
e talvez venha a morrer;
quanto às outras, pelos donos
foram sendo reformadas,
gente próspera e "elegante"
como atestam as fachadas
das 13 casas da rua.
Apenas esta onde moro
de casa velha coroca
conservou a identidade
ainda usa arandelas,
calhas, tabiques, escápulas,
com manias e pirraças
de quem "viveu" outra idade
das 13 casas da rua.
Senhora Dona Donana
(Anna Henriqueta da Cunha),
ex-dona do quarteirão
irmão no estilo e argamassa,
a vós dedico e consagro
esta balada sem graça
em memória das antigas
fachadas, já derrubadas,
das 13 casas da rua.
( "Frauta de Barro", 1963)
Noturno do Bairro dos Tocos
Há tanta angústia antiga em cada prédio!
Em cada pedra nua e gasta. E agora
em necessário pranto que demora
o amargo verso vem como remédio
pelos sonhos frustrados em cada hora
da ingaia infância. Madurando o tédio
nos becos turvos, porque exige e pede-o
inquieta solidão que assiste e mora
em cada tronco e raiz, calçada e muro:
Chora-Vintém, O-Pau-Não-Cessa* . Impuro
se derrama um palor de lua morta
nas crinas tristes, no anguloso flanco:
memória e angústia fundem-se num branco
cavalo manco numa rua torta.
(...)
##########################
Carpintaria poética
Adrino Aragão
Luiz Bacellar é, dentre os expressivos poetas amazonenses, o mais aclamado pelas elites, estudantes e populares de Manaus. Mas, ao contrário do que possa parecer, sua poesia não é tão simples, de fácil consumo. Artesão da palavra, carpinteiro do verso, Bacellar constrói cada poema com rigor formal e forte densidade temática, numa linguagem refinada, primorosa.
Como explicar o sucesso de um poeta sério como Luiz Bacellar que não faz poesia em função do mercado? Mistérios da poesia, da arte? Talvez. Quem sabe uma resposta ao mercado do livro que aí está: a boa literatura brasileira existe; há, sim, leitores para a poesia, o conto, o romance, a novela de nossos escritores.
A verdade é que são 50 anos de trabalho poético de Luiz Bacellar. Frauta de barro, seu livro de estréia, na correta afirmação do poeta e crítico literário professor Tenório Telles, “é um marco na evolução da literatura que se faz no Amazonas”.
De formação clássica e espírito de renovação estética modernista, Bacellar pôde construir, com admirável liberdade (já a partir desse livro) algo de novo na dicção lírica de sua poesia. E que haveria de se ampliar em livros posteriores. Canta o poeta em “Variações sobre um prólogo”: “Em menino achei um dia/ bem no fundo de um surrão/ um frio tubo de argila/ e fui feliz desde então; // rude e doce melodia/ quando me pus a soprá-lo/ jorrou límpida e tranqüila/ como água por um gargalo. // E mesmo que toda a gente/ fique rindo, duvidando/ destas estórias que narro, // não me importo: vou contente/ toscamente improvisando/ na minha frauta de barro.// É o tema recomeçado/ na minha vária canção.”
Enquanto muitos destroem o passado com a ânsia de criar o novo, o moderno, o poeta Luiz Bacellar mantém forte diálogo com a tradição, elege a memória como tema em muitos de seus textos poéticos. Sem saudosismos. O passado tem o sentido de memória, de registro - seja de denúncia ou crítica (quase sempre bem-humorada) contra o silêncio do descaso, do abandono, da “insanidade de um presente” que flagela e aniquila as fontes de nossa história. Como nos versos de “Balada da rua da Conceição”: “Vão derrubar vinte casas/ na rua da Conceição./ Vão derrubar as mangueiras/ e as fachadas de azulejo/ da rua da Conceição./ (Onde irão morar os ratos/ de ventre gordo e pelado?/ e a saparia canora da rua da Conceição?” O poeta, por vezes, estende o olhar sobre gentes humildes, os esquecidos, como em “Lavadeiras”, poema do mais fino lirismo, comparável a de um Jorge de Lima: “A roupa nos varais panda flutuando,/ com seus laivos de anil coando a brisa,/ até parece ávida nau cortando/ o mar azul que a leve espuma frisa.// O vento timoneiro vai guiando/ e o sol nas bolhas de sabão se irisa/ enquanto as lavadeiras vão cantando/ a torcer e a bater na tábua lisa”. Aliás, como um Midas, Bacellar consegue transformar em filigranas de poesia as coisas mais comuns, por exemplo, um simples isqueiro, vejam: “Se, na pedra, acordo estrelas/ com um golpe do polegar,/ a chama, só para vê-las,/ já se levanta a bailar”.
Frauta de barro tem ainda outro mérito. Deu ao poeta Luiz Bacellar o prêmio Olavo Bilac, da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro (1959). Na comissão julgadora do concurso estavam dois dos maiores poetas brasileiros, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Pode haver reconhecimento maior que este, para qualquer escritor?
Mas Luiz Bacellar não é poeta de um livro só. Outros foram publicados. Cada um deles revela, de modo surpreendente, a performance desse poeta que tece poesia de altíssima qualidade.
Sol de feira é outro grande momento literário de Luiz Bacellar. Para início, o tema é originalíssimo, senão inusitado, na poética brasileira. Professor Ernesto Renan Freitas Pinto considerou o livro um “pomar real” que “nos ensina a admirar e saborear a rica coleção dos frutos da terra”. Vejo-o como telas do mais belo impressionismo. Mas, às vezes, parece escorrer, do rondel de cada fruta, um sumo mágico de canções: é quando me sinto arrebatado pelos acordes de uma sinfonia de Bach ou Handel. Por que não de Villa-Lobos? Como nos versos de “rondel da pitanga”: “Gracioso arbusto/ de folhas breves/ todo adornado/ de frutos leves/ como as caboclas/ do meu torrão/ e as notas loucas/ do meu violão// rubras miçangas/ rubis talhados/ de viva cor/ sois vós pitangas/ cristalizados/ beijos de amor”.
Há mais, muito mais. Por exemplo, um belíssimo poema musical longo, dividido em 33 partes – ou, como declara o poeta, sonata em si bemol menor para flauta, fagote, clarinete e oboé. Inclusive uma boa safra de haicais, em que o poeta reafirma o seu talento criativo. “Rajadas de chuva/ sobre o teto de alumínio:/ sons da lua cheia.” “Como um prisioneiro/ a lua me espia pelas/ grades do banheiro.” “Água resmungona.../ No tanque limoso/ o pulo da rã.” (Bashô)
A editora Valer publicou (1998) as obras de Luiz Bacellar, reunidas em um só volume, com o título de Quarteto.
Vale a pena ler Luiz Bacellar. E conhecer, através de seus poemas, a trajetória luminosa do poeta amazonense, que atingiu o estado de excelência na poesia brasileira. Mais que isto. Ultrapassou a barreira do preestabelecido: ao lidar com elementos tradicionais, aprofunda o exato conceito de modernidade.
Rondel do Cupuaçu (XXVI)
Luiz Bacellar
cupuaçu
és soberano
do pomolário
americano
num cofre pardo
guardas com ciúmes
raros sabores
vivos perfumes
urna selvagem,
ubre silvestre,
moreno seio,
tanta delícia
tua curva crosta
retém no meio
Carta Lunar – Adágio (XX)
Luiz Bacellar
O meu verso é um fragor: desmoronar-
me sinto quando escrevo. E o ruído é tanto
que vou com passo incerto no meu canto
como se caminhasse à beira-mar
num dia de ressaca sob um luar
como o de agora (a Via Láctea é um manto
salpicado de sal, de prata e pranto)
em que as horas se esquecem de passar.
Meu verso é um natural correr de pena
que rasga, que destrói, mutila e mata
minhalma que é de espuma e de verbena:
é um vestido deixado sobre a cama,
vazio de um corpo amado. E me arrebata
no vácuo intenso do meu próprio drama.
haicais inéditos
Luiz Bacellar
Meus haicais –
voando como satélites
pelo mundo…
As teias de aranha
(rotas bandeiras de guerra)
voam no vasculho.
Grande estardalhaço:
o ouriço da castanheira
estronda no chão.
A porta arrombada…
e os ladrões levaram
toda a vaidade.
Céu pentagramado –
na pauta das nuvens
a clave de sol.
E a bolinha de ping
pong dança no topo
do chafariz da pracinha.
Topo do repuxo –
borboletinha amarela
tenta em vão pousar.
Tentando pousar
no topo do chafariz
a borboleta amarela.
E o Jacques Costeau?
Afrescalhou o nosso
bravo delfim roxo…
Com o ipê florido
uma chuva (e de ouro)
entope a sarjeta.
haicais inéditos
Luiz Bacellar
Luar de agosto.
No alheio telhado ao lado
concerto de gatos.
Búfalos na estrada.
A lua viaja nos
lombos da manada.
Noite de piracema.
A lua indiscreta mostra
a rota do cardume.
A araponga bate
na bigorna do tempo
estilhaços de luz.
O gato interroga
com o olhar malandro
o voo da libélula.
O peixe cospe
pra fora do lago
uma bolha d'água.
O poeta veste-se
Luiz Bacellar
Com seu paletó de brumas
e suas calças de pedra,
vai o poeta.
E sobre a cambraia fina
da camisa de neblina,
o arco-íris em gravata
vai atado em nó singelo.
(Um plátano, sobre a prata
da água tranqüila do lago,
se debruça só por vê-lo).
Ele leva sobre os ombros
a cachoeira do lago
(cachecol à moda russa)
levemente debruada
de um fino raio de sol.
Vai o poeta
a caminhar pelas serras.
(pelos montes friorentos
mal se espreguiça a manhã)
com seu pull over cinzento
(feito com lã das colinas)
com seus sapatos de musgo
(camurça verde dos muros)
com seu chapéu de abas largas
(grande cumulus escuro).
Mas algo ainda lhe falta
para a elegância completa:
súbito pára, se curva,
num gesto sóbrio e perfeito,
um breve floco de nuvens
colhe e prende na lapela.
Rondel do tucumã (XLVIII)
Luiz Bacellar
do teu minúsculo coquinho
relatam lendas milenárias
brotaram sono, amor, carinho,
a lua e as outras luminárias;
onças e pássaros noturnos,
quando em teu bojo se escondia
dele fugiu com ares soturnos
enquanto o breu se derretia;
tu foste a caixa de Pandora
das tribos bárbaras de outrora
e a cor das asas da graúna
saiu de ti como um trovão
para que a filha da boiúna
pudesse amar na escuridão"
AOS DOMINGOS, EM MANAUS, VOCÊ ENCONTRA OS MARAVILHOSOS
PRODUTOS ALIMENTÍCIOS E LICORES DE FRUTAS AMAZÔNICAS,
DA FÁBRICA BISCOITO REGIONAL FAZENDA AYAPUÁ, NA FEIRA DA
AV. EDUARDO RIBEIRO!
A MARCA ("logotipo") DE BISCOITO REGIONAL FAZENDA AYAPUÀ
ESTÁ NO CANTO SUPERIOR ESQUERDO DO
ANÚNCIO A SEGUIR REPRODUZIDO:
(http://www.mastercupom.com.br/oferta.php?id=72)