Tradução de um soneto de Fernando Pessoa
Em: 07/09/2009, às 03H55
O lendário Fernando Pessoa (1888-1935), lido e relido por multidões de leitores daqui e de além-mar, tão famoso quanto Camões (1524-1580) analisado e mais analisado por diferentes exegetas, em Portugal, no Brasil e em outros países, considerado, enfim, um bardo especial famoso pelos seus heterônimos e ortônimo, um poeta valendo por vários poetas, glória lusófona, com produção em prosa e verso cuja obra parece estar sempre crescendo pelo surgimento de novos produções, teve ainda fôlego para escrever versos em puro inglês, em francês e ainda foi tradutor de “O corvo,” “Annabell Lee”, “Ulalume’ de Edgar Allan Poe (1809-1849) e “Da Antologia Grega”, a partir da versão inglesa de W.R. Paton.
No que tange aos seus poemas ingleses, deixou a seguinte produção que, até onde pude pesquisar, não foi grande: English Poems I-II (Antinous e Inscriptions, III (Ephitalamium) e 35 Sonnets (1918). Pelo menos é isto que ele revela em carta de 18 de novembro de 1930 a Gaspar Simões. Essa informação faz parte de uma ‘Nota Preliminar” do poeta da seção Poemas Ingleses constante da Obra Poética, volume II da Editora Nova Aguilar, 1977, organização , edição e notas de Maria Alieta Galhoz e de uma Cronologia da vida e da obra de Fernando Pessoa, de João Gaspar Simões. Releva assinalar uma observação que Pessoa faz quanto à composição desses poemas. Segundo ele, os poemas ingleses apresentam grande complexidade de composição, sobretudo os sonetos, esclarecendo, além disso, ao leitor que este precisaria de conhecer profundamente a língua de Shakespeare(1564-1616).*
Informa ainda Pessoa que os poemas citados , Antinous e Ephitalamium constituiriam com outros três poemas um “pequeno livro” englobando o que ele denomina “o círculo do fenômeno amoroso” A esse “círculo, por sua vez, Pessoa designaria de “ciclo” imperial, assim distribuído: 1) Grécia, Antinous; 20 Roma, Epithalamium; 3) Cristandade, Prayer to a Woman’ body; Império Moderno, Pan-Eros; Quinto Império, Anteros. Os três últimos, acrescenta ele, se achavam inéditos.”**
Aos meus leitores, , transcrevo abaixo o primeiro soneto, daquela série de 35 sonetos, e, lgo em seguida, como de costume, a minha tradução bilíngüe. Vejam ele segue o esquema rimatico do soneto shakespeariano ( ababcdcdefefgg), i.e., três quadras seguidas de um dístico final:
Sonnet 1
Cunha e Silva Filho
WHETHER WE WRITE or speak or do but look
We e are ever unapparent. What we are
Cannot be transfused into word or book.
Our soul from us is infiniteley far.
However much we give our thoughts the will
To be oor soul and gesture it abroad,
Our hearts are incommunicable still.
In what we show ourselves we are ignored.
The abyss from soul to soul cannot be bridged.
By any skill of thoughts or trick of seeming.
Unto our very selves we are abridged
When we would utter to our thooughts our being.
We are ur dreams of ourselves suls by gleams,
And each to each other drems of others’ dreams.
Soneto 1
SE ESCREVEMOS ou falamos, ou apenas olhamos
Somos sempre indefinidos. O que somos
Não se pode transfundir numa palavra ou livro.
Permanece infinitamente distante de nós mesmos,
Por mais que permitamos à nossa alma pensamentos,
Fica distante a vontade de nossa alma e gestos.
Incomunicáveis ainda são nossos corações.
Aquilo que de nós revelamos não exprime o que somos.
Pois não pode existir ponte no abismo de alma a alma.
Seja qual for a argúcia do pensamento ou aparente artifício.
Apenas somos a síntese de nossas próprias subjetividades.
Quando transmitíssemos a idéia de nosso ser ao nosso pensamento
Somos os sonhos de nós mesmos, almas de brilhos vagos.
Os seres entre si sonham com os sonhos dos outros.
NOTAS
* Op. cit., p. 587-588. Não foi minha intenção desta vez fazer comentários mais pormenorizados à Nota Preliminar que, como já afirmei, é um esclarecimento sobre os poemas ingleses, em forma de carta, de Fernando Pessoa ao crítico João Gaspar Simões
** Op. cit., p. 589.
Nota do Colunista: A partir de hoje, entro de férias de um m~es para merecido descanso.