Tomás Eloy Martínez, do NYT, escreve sobre o pensador búlgaro-britânico Elias Canetti
Por Flávio Bittencourt Em: 27/07/2010, às 18H18
Tomás Eloy Martínez, do NYT, escreve sobre o pensador búlgaro-britânico Elias Canetti
Canetti recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 1981.
SOLENIDADE DE ENTREGA DO PRÊMIO NOBEL
(CASUALMENTE, O AGRACIADO DA FOTO NÃO É
CANETTI)
(SÓ A FOTO, SEM A LEGENDA ACIMA DIGITADA:
http://www.ecu.edu/english/TCR/27-1/editor.htm)
(http://www.odisea2008.com/2009/05/viaje-por-el-danubio-en-1844-ii.html,
onde se pode ler:
"Y hasta aquí llega el viaje con laminas incluidas (salvo un apéndice final textual), relatado por William Beattie e ilustrado por, W. H. William Henry Bartlett (*) en la obra The Danube : its history, scenery, and topography (1844) [...]")
(*) - "William Henry Bartlett (March 26, 1809 – September 13, 1854) was a British artist, best known for his numerous steel engravings. (...)".
CAFÉ TURCO, EM 1844, NA CIDADE ONDE NASCEU E. CANETTI (1905 - 1994)
(A GRAVURA PODE SER ENCONTRADA EM: http://www.odisea2008.com/2009/05/viaje-por-el-danubio-en-1844-ii.html,
ONDE CONSTA A SEGUINTE LEGENDA, EM ESPANHOL:
"Café turco en Rustschuk [CIDADE DE RUSE ou, em idioma búlgaro, PYCE] – Bulgaria 1844",
VIAGEM PELO RIO DANÚBIO EM 1844]
(http://ebook-bg.blogspot.com/2010/03/auto-da-f.html)
"Elias Canetti (1905-1994) est un écrivain juif séfarade d'expression allemande, originaire de Bulgarie, détenteur d'un passeport turc et devenu citoyen britannique en 1952. Il a reçu le prix Nobel de littérature en 1981. Canetti a défendu une idée pluraliste de la culture européenne dans sa richesse et sa diversité, liée à son parcours de vie singulier. Il est l'auteur d'analyses de grande envergure sur le XXe siècle et de réflexions détaillées sur les mécanismes humains et les modes de fonctionnement psycho-sociaux.
Son œuvre est composée de pièces de théâtre, d'un unique roman, d'essais, de recueils d'aphorismes et d'une autobiographie en quatre volumes. (...)".
(VERBETE 'Elias Canetti' DA WIKIPÉDIA [versão em francês, onde o resumo acima transcrito está mais completo do que em outras línguas, como o português, o espanhol e o inglês, por exemplo],
http://fr.wikipedia.org/wiki/Elias_Canetti)
"Dohodno Zdanie, Ruse [BULGÁRIA]"
(RUSE (em búlgaro: PYCE),: cidade natal de E. Canetti,
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ruse; sendo que
em http://www.acpasion.net/foro/showthread.php?t=26761&page=192
pode-se ler: "Dohodno Zdanie (literally: "Profitable Building") is an old theatre
and one of the most beautiful buildings.")
ELIAS CANETTI (Ruse [cidade cujo nome já foi Rustschuk (Rusçuk), do Império Otomano (*)], Bulgária, 1905 - Zurique, Suíça, 1994)
(http://www.scienceguardian.com/blog/crowds-and-power-explains-much-in-aids-science-and-politics.htm)
(*) - "(...) Bien que la Bulgarie obtienne son indépendance totale vis-à-vis de l’Empire ottoman en 1905, Canetti conservera la nationalité turque (...)", http://fr.wikipedia.org/wiki/Elias_Canetti)
.
“The fact that wars can last so long, and may be carried on well after they have been lost, arises from the deep urge of the crowd to maintain itself in the acute stage; not to disintegrate; to remain a crowd. This feeling is sometimes so strong that people prefer to perish together with open eyes, rather than to acknowledge defeat and this experience the disintegration of their own crowd.”
(ELIAS CANETTI,
http://www.scienceguardian.com/blog/crowds-and-power-explains-much-in-aids-science-and-politics.htm)
"(...) Na França revolucionária, a religião de estado, a encenação da soberania popular,
como culto às novas divindades resultante do processo de descristianização,
expressava um processo de inversão que perpassara a sociedade de alto a baixo, renovando
suas formas de estabelecimento das distâncias sociais. A inversão chegara
até a dimensão religiosa, tendo sido criado um culto específico para venerar os valores
que presidiram a constituição do novo estado, portador de características mobilizadoras
inexistentes no catolicismo romano ou no cristianismo reformado. Partira-se
da admissão de que o cristianismo era fonte de superstições e de obscurantismo incompatíveis
com os novos tempos e com a consigna de criar novos homens, agora
livres e iguais.
Mas o assalto das massas pode encontrar formas mais sutis e complexas de se
relacionar com seu objeto, com a consecução de suas necessidades, mesmo tendo o
alvo à distância, mesmo na ausência de sua visibilidade, como no caso das massas
duplas:
'O mais seguro e frequentemente o único meio de conservar a massa é a existência de uma
outra massa com a qual a primeira possa se comparar. Seja que elas se enfrentem de maneira
lúdica e meçam forças, ou seja, que se ameacem seriamente, a visão ou a representação
intensa da segunda massa não permite que a primeira se desintegre [...]'
(Canetti, 1983: 66) [*]
O mecanismo de formação de massas duplas dá conta de solucionar um dos seus
maiores temores: a sua desagregação. Portanto, uma das maneiras de se prolongar à
mobilização das massas está em contrapô-las umas às outras. O que seria da paixão
pelo futebol, sem a contraposição entre as massas de torcedores? Analogamente,
como manter acesso o lume do patriotismo, sem a constante produção de inimigos
internos a serem combatidos? (...)".
(BERTOLINI, Carlos Américo. Encenações patrióticas: a educação e o civismo a serviço do Estado Novo (1937 - 1945), dissertação de mestrado em Educação, Cultura e Sociedade, UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, jul./2000, orientador: Prof. Dr. Nicanor Palhares Sá,
[*] CANETTI, Elias. Massa e poder. São Paulo: Melhoramentos / Brasília: Editora da UnB, 1983.
À gloriosa memória de Canetti, gênio do século XX
28.7.2010 - Canetti foi um grande pensador turco/búlgaro que escrevia em alemão - que não era exatamente a sua língua natal, mas que passou a ser, por decisão pessoal, o idioma de sua produção literária - e que se naturalizou britânico - Ele ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1981 e sentiu-se incomodado por passar a ser assediado pela imprensa, por políticos que queriam aparecer em fotos ao lado dele e por pessoas comuns - como eu e você - que sempre queriam dizer-lhe alguma coisa, em locais públicos por onde ele transitava, já na condição de grande celebridade mundial. Assim são alguns gênios da humanidade: a fama, tão buscada por alguns, é tida como um tremendo problema, por outros. E há também a questão da inveja, que assusta. De qualquer forma, sabe-se que o assédio da imprensa, por exemplo, deixa celebridades mundiais transtornadas, muitas vezes. Não foi apenas a Elias Canetti, um gênio do século passado, que a retumbante fama deixou incomodado. Como não sou famoso, apenas imagino a vida de um homem que busca - sem conseguir chegar lá - o recolhimento e as horas de silêncio quase absoluto, que favorecem a leitura de textos belos e profundos. Pode parecer "desculpa de cidadão obscuro que, no fundo, no fundo, também gostaria de ser muto famoso", mas, cá entre nós, é muito bom poder ir à padaria mais próxima de casa e saber que ninguém está comentando, baixinho, de forma um pouco excitada e semiperplexa - como a apontar um animal raro - que... AQUELE ALI É O GÊNIO DA HUMANIDADE QUE GANHOU O PRÊMIO DA ACADEMIA DE ESTOCOLMO. F. A. L. Bittencourt ([email protected])
"Quinta, 17 de setembro de 2009, 08h14
O retorno de Elias Canetti
Tomás Eloy Martínez
Do The New York Times
São poucos os escritores que passam a imagem de gênios de forma tão imediata quanto o búlgaro Elias Canetti. Assim que o leitor se aventura nas primeiras páginas dos seus livros, sente-se iluminado por uma sabedoria mais antiga que o tempo.
A primeira vez que li a respeito da sensação de superioridade e de alívio que sente alguém que está de pé perante um morto foi em um ensaio sobre a sobrevivência e o poder. Parece algo simples, mas quando Canetti o descreve percebemos a pouca atenção que as pessoas dão ao profundo significado de gestos e movimentos que se repetem todos os dias.
Foi ele também quem explicou, melhor do que ninguém, o motivo pelo qual, para se sentir "o centro de tudo", o escritor tcheco Franz Kafka se refugiava no mínimo, no silêncio, na leviandade. Quando Canetti estuda os diários e a correspondência de Kafka, acaba por revelar um novo escritor, recém-descoberto. É surpreendente o resultado que consegue empregando poucas palavras.
Há mais de 20 anos que os seus livros não estavam nas prateleiras das livrarias da América Hispânica, mas no final de agosto apareceram obras luxuosas e caras, inacessíveis nesta época de crise.
Mario Muchnik, de Buenos Aires, foi o seu primeiro editor em língua espanhola, publicou seis ou sete das suas obras mais importantes. Muchnik teve a audácia de ir ao encontro de Canetti no Grand Hotel de Estocolmo na mesma tarde de 1981 em que receberia, com toda justiça, o prêmio Nobel; pegou-o pelo braço e os dois permaneceram um tempo conversando. Canetti não dava entrevistas, mas não podia se recusar a conversar com um dos seus maiores editores. Muchnik publicou detalhes dessa conversa na autobiografia de 1999.
Os candidatos ao Nobel de 1981 eram Canetti, o argentino Jorge Luis Borges e o colombiano Gabriel García Márquez, que o recebeu no ano seguinte. García Márquez sempre foi muito discreto e evita comentar sobre o fato de Borges ser um eterno candidato sem prêmio, mas já comentou que alguns integrantes da academia de Estocolmo valorizam mais as poesias de Borges do que as suas obras de ficção.
Segundo Muchnik, Cenetti teria dito algo parecido na véspera de ser premiado: "Eu não premiaria Borges. Não por razões políticas, embora não faltassem motivos, veja a medalha que recebeu desse tal Pinochet. Não o premiaria porque a sua literatura é trivial, bem escrita, mas superficial, como o xadrez".
Canetti era um gênio e, nas palavras de Susan Sontag, "também era parcial e injusto com os povos sem história". Por isso não entendia Borges, o qual, por ser de um povo sem história, sentia a necessidade de criar uma.
Todos os acontecimentos da longa vida de Canetti parecem desmedidos. Nascido em Ruse, um povoado búlgaro do baixo Danúbio, mudou-se várias vezes desde os cinco anos de idade. Em 1911 foi levado para Manchester; em 1913, após a morte do seu pai, para Viena; entre 1916 e 1920 transitou entre Zurique e Lausana; entre 1921 e 1922 frequentou uma escola em Frankfurt; em 1924 voltou para Viena; no final da década de 1920 visitou Berlim; depois voltou para Viena, passando antes por Paris e, finalmente, em 1938 estabeleceu-se definitivamente em Londres, de onde só saiu para falecer, em Zurique, em 1994, aos 89 anos de idade.
Diferente da maioria dos homens que contam com apenas um idioma para o amor, as lembranças e as desventuras, Canetti dominou, pelo menos, quatro idiomas durante a sua infância: o ladino, "a minha língua caseira", como ele a definia; o búlgaro; o alemão - que os seus pais lhe proibiram de ler e falar até os sete anos; e o inglês, das suas primeiras leituras.
Poderia ter escrito em qualquer uma dessas línguas, mas decidiu fazê-lo em alemão, como uma forma de fortalecer a sua identidade judaica. Canetti seduz por meio das palavras, porque o leitor adivinha nele, além da sua autêntica humildade, uma rara capacidade para compreender tudo. Parece estar voltando das culturas mais antigas, dos sentimentos mais primários, das experiências mais revolucionárias: como se fosse o sobrevivente de um lugar no qual já aconteceu tudo o que poderia acontecer.
Começou a escrever o seu primeiro romance, Auto de fé, em abril de 1927, quando ainda estudava química e morava em uma peça vienense de cujas janelas via o zoológico e o hospício Steinhof.
A sua obra mais importante é o ensaio "Massas e Poder" (1960), uma leitura obrigatória para quem quer entender o populismo, a demagogia e o desprezo que os poderosos sentem pelas massas às quais manipulam.
Toda vez que o autor se aproxima de qualquer versão da massa (o trigo, a floresta, o fogo, a chuva), põe simultaneamente em movimento as mais diversas disciplinas; da antropologia salta com naturalidade à história das religiões, dali para a poesia e para a anatomia patológica, chegando, em cada caso, ao milagre (de que outra forma chamá-lo?) de transformar essa imensidão em uma criatura viva, pequena, concreta, com a qual o leitor pode identificar-se facilmente.
A história, narrada pela linguagem de Canetti, acaba sendo como a última prédica de uma tribo de sobreviventes, a ladainha de um louco que se pensa invulnerável.
Apesar da imponência de "Massa e poder", cujas 500 páginas nunca mencionam Marx e fazem uma mínima referência a Freud (uma nota casual de pé de página), o texto mais revelador sobre Canetti é, sem dúvida, A língua absolvida (1977), primeiro volume da sua autobiografia, que deixa no leitor a sensação de que a linguagem foi esgotada, esvaziada das suas melhores substâncias e que já não é possível expressar mais nada com essas mesmas palavras.
É inesquecível a fascinação que o narrador transmite pelas bochechas rosadas de uma aldeã, o terrível grito da mãe quando o pai morre no jardim, a tranquila aceitação do sexo como tabu e o descobrimento, em Zurique, de que o preconceito antissemita estará presente ao longo da sua vida.
Estava na sua casa, almoçando com os sogros bávaros, quando recebeu a notícia da premiação com o Nobel. Hera, sua esposa, deixou cair a concha com a qual servia a sopa e sujou a toalha de mesa. Canetti deixou cair no prato o pão que estava comendo.
Quando percebeu que a sua vida familiar não voltaria a ser a mesma, sentiu que o Nobel o empobrecia, tornava-o um escravo. Os deuses o tinham assinalado com o seu dedo de luz e o fato de ser um escolhido passou a atormentá-lo.
Enfrentou a adversidade da glória recolhendo-se à sua residência de Londres, da qual só saiu quando viajou a Zurique para morrer.