Cunha e Silva Filho

 

      Nenhum criminoso se declara culpado, principalmente porque se o fizesse seria um réu confesso e ainda passaria por idiota. Todos se dizem inocentes. Até mesmo quando pegos em flagrante delito ainda se consideram inocentes. Perante a lei todos são considerados inocentes até prova em contrário. A lei em si favorece essa atitude. Então, nossa sociedade é formada de muita pureza, de anjos, santos, querubins. Todos somos inocentes, ou melhor dizendo, somos todos inocentes" que, por sinal, é um titulo (batando  colocar-se na primerira   palavra  o "s" incial maiúsculo) de um bom ficcionista piauiense O. G. Rego de Carvalho (1930-2013). Os advogados de defesa estão aí para corroborarem essas assertivas e por dever de ofício.
     Sob esta premissa, na terra que nos vai comer vivemos o paraíso dos sem culpa, dos honestos, dos incorruptíveis, dos ilibados, dos homens de bem. Que beleza de paraíso em que vivemos! Que venturosas criaturas iluminadas pelo dom de serem dignas, íntegras, impolutas. A continuar assim, o Brasil será, dentro em pouco, reverenciado como sendo a pátria da bondade, da lisura, da ética. Desde os simples vereadores até o Presidente da República de plantão ninguém comete um pecadilho. Só falta tanta retidão de caráter ser agraciada no Guiness Book. “Brazil: the Paradise on Earth”(“Brasil: o paraíso na Terra”). Pátria amada! ⁢Salve!⁢ Salve!

    Não demorará o dia em que esses anjos brasileiros reunindo indivíduos oriundos das grande corporações que trabalham para os governos federal, estadual e municipal sejam guindados ao privilégio da canonização. Até o Cabral deverá constar da insigne lista...
     Desde os tempos sombrios da eclosão do “Escândalos do Mensalão” ⁢as investigações da Polícia Federal denunciaram corrupção no governo do PT ainda no segundo mandado do ex-Presidente Lula juntamente com denúncias de corrupção de outros partidos políticos. Foi o início de uma novela na imprensa falada e escrita, sobretudo nos jornais Folha de São Paulo e Jornal do Brasil que acompanhei estarrecido e indignado, porquanto cada edição de jornal vinha fornecer mais falcatruas do cenário político nacional.
     Esse escândalos financeiros, essas maracutais de conluio venais entre público e privado a fim de assaltarem o dinheiro público dos que pagam impostos e nada em troca recebem dos governos prosperaram num continuum até hoje. Por outro lado, há que se louvar o que vem fazendo a Operação Lava-Jato da Polícia Federal que, malgrado algumas imperfeições, tem-se revelado um baluarte em defesa da diminuição da corrupção na política brasileira.
     Políticos indignos e empresários desonestos têm sido alvos dos agentes federais e, nesse ritmo, é que, a meu juízo, deve funcionar esse órgão de segurança e de fiscalização em todas as instituições da estrutura da máquina do Estado Brasileiro. Políticos trambiqueiros, assim como os empresários salafrários, já foram encarcerados pela Justiça. Outros estão sendo denunciados e outros mais seguramente serão presos dependendo dos resultados das investigação que poderão levá-los à  condição de réus.
     Eis a questão: governo deposto por ilicitudes e governo posto através de um Congresso conspurcado de ladroagem - propina - recebida em malas com dinheiro vivo destinado supostamente a altos figurões do atual governo Temer. O próprio Presidente da República já foi citado mais de uma vez nas investigações da Lava-Jato e poderá, se comprovada sua culpa, virar réu ou, quem sabe, ainda que seja após as eleições, levado aos tribunais. O fato é que os homens do Palácio, em proporção gigantesca, acham-se agora na mira da Polícia Federal, do Ministério Público e da Procuradoria Geral da República. Parece até um filme norte-americano de terror em que os espectadores, satisfeitos e jubilosos de que os monstros morreram, de repente se surpreendem: tudo volta ao início com os mesmos monstros renascidos das cinzas mefistofélicas.
    Sim, porque os rufiões da política nacional não mais se apoquentam com o que possa lhes acontecer, dado que permanecem inalteráveis afirmando desbragadamente que nada fizeram de errado e tudo não passa de perseguição ou conspiração política. Daí haver intitulado este artigo como o fiz acima. Nesse vaivém de provas e alegação de inocência (sic!) o governo federal vai empurrando com a barriga e, daqui a meses, alguns de seus membros poderão sair ilesos nus com as mãos nos bolsos do dinheiro do contribuinte.
     A rapinagem no país parece ser um mal perverso que assola praticamente a grande maioria do segmento político brasileiro, indo do governo federal até aos governos municipais. Parece um circo de horrores de horrores servindo de combustível à execração da sociedade brasileira e exibindo às nações bem governadas e civilizadas o pior exemplo de se fazer política na Terra. No passado da história política brasileira a corrupção já existia mas não em proporções gigantescas e pantagruélicas.
Agora, estou lembrando de uma declaração que uma senhora de noventa anos e muita lúcida, sentada numa das cadeiras de espera de um banco estrangeiro estabelecido no país, fez a quem a pudesse ouvir: ”O Brasil já foi um país decente e respeitado, não como está hoje, uma vergonha onde não se tem mais respeito à bandeira nacional, às festas cívicas. Os mais novos não sabem nem mesmo as datas mais importantes de nosso calendário cívico. Viramos lixo.”
     A imprensa é injustamente atacada por muita gente. Pode até ser que ela oriente os leitores ideologicamente de forma errada e tendenciosa. Todavia, sem ela é que os meliantes da política estariam mais à vontade, mais livres para fazerem o que bem lhes desse na telha. A imprensa, chamada de quarto poder, vale mais atuando do que se fosse garroteada pelas ditaduras de todas as cores.
     Se não fosse esse fundamental setor da comunicação não teríamos condições de estar informados e o silêncio imposto à  imprensa equivale à morte da liberdade de expressão. Ela é como a democracia. A pior democracia ainda é melhor do que a imprensa proibida de exercer seu papel de alta sentido público. A morte da imprensa livre equivale à derrota das ideias e do pensamento humano.
     Os melhores quadros intelectuais, com raras e honrosas exceções, da inteligência brasileira não estão na vida pública. O que é uma pena. A maior parte deles vai para a vida acadêmica e, dessa forma, ficamos órfãos de grandes brasileiros que tanto poderiam dar de si ao desenvolvimento ao nosso país.
     Com o afastamento de gente competente e digna de exercer um mandato público de alta relevância, um possível bom quadro político se esvazia e com isso os oportunistas veem não uma uma possibilidade de seguir uma carreira política visando ao bem-estar da sociedade, mas um trampolim para malversar o dinheiro do Estado em benefício próprio, o qual, montando em milhões de reais ou dólares, passa a ser manipulado solertemente, ou seja, pela via da corrupção, peculato, lavagem de dinheiro, locupletação ilícita e formação de quadrilha, igualando-se, assim, suas práticas delituosas aos mais abomináveis criminosos do tráfico de drogas e de armas pesadas hoje constituindo, para vergonha de todos nós brasileiros, uma das mais execráveis mazelas da política nacional que se está perpetuando diante de nossos olhos perplexos e indignados.