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E chega que alguém diz: “Bons dias” (a voz como era?) – sim, quem se introduz nesta estória e então fala é o enorme bugre caboclo Paxiúba, naquela época com cerca de dezenove anos, mas já bem dotado de grande, de fama, de alto, de um metro e noventa e dois de altura, ah, bem me lembro inteiro dele sim, a gente fica velho mas, antes de morrer, a memória a gente aviva, e nela vive, até o tampo do tempo nos apagar, gatão lustroso que passa sua língua, nada, no parado esquecido, tal que logo desaparecemos que vai ser como se nunca tivéssemos existido, nem mesmo como personagem de ficção que é o que é. 

O fogo é um elemento mítico e será, nesta segunda seqüência, a marca da renovação ficcional rogeliana. A partir da morte dos dois personagens-chave, o primeiro narrador Ribamar de Sousa, auxiliado pelo segundo, que ainda não se manifestou, terá de buscar o verdadeiro personagem-auxiliar desta alternada dimensão ficcional, possuidor da outra chave mágica, para que possa penetrar seguramente no recinto mítico do Manixi, apresentando-se à moda dos lendários heróis do passado. Seu nome é Paxiúba.
Manifestado à moda dos lendários heróis de misteriosas histórias de cerimônias e cultos diversos, Paxiúba é a encarnação mítico-ficcional de antigos guardiões extravitais (de qualquer arcabouço esotérico da humanidade, humanidade esta quase sempre conduzida por elementos das forças sobrenaturais), os quais povoaram, ao longo do tempo, a poderosa imaginação reduplicada, sintagmática, do mundo dos conceitos veneráveis. Paxiúba se configura como o símbolo das forças da natureza selvagem do Amazonas (no caso, o estrato mítico-substancial da sociedade indígena amazonense), e, acima de sua aparência exterior, a matéria épica (substância épica; não confundir com Gênero Épico) se faz presente no relato ficcional, realçando o prestígio prosopopaico de sua natureza humana.
Sobre esta questão dos gêneros literários, especificamente em relação a terminologia aqui empregada ─ substância épica  (matéria épica) ─, será de sumo interesse uma explicação. O romance de Rogel Samuel, pelo ponto de vista dos conceitos teóricos cientificistas esclarecedores dos Gêneros Literários, não poderá ser renomeado como narrativa épica, uma vez que não foi escrito em versos e não apresenta os fenômenos estilísticos que caracterizam o gênero em questão. Por este ponto de vista, o personagem Paxiúba não poderá ser avaliado como herói de narrativa épica (narrativa em versos). No entanto, como no todo do texto ficcional de Rogel Samuel ─ O Amante das Amazonas ─ há substância (matéria) épica em estado ininterrupto, o personagem, quando de sua apresentação aos leitores, adquire, por transação (ajuste) ficcional, a aura dos grandes heróis do passado.

NEUZA MACHADO