ELMAR CARVALHO

 

No período em que fiz o curso de Monitor Postal no Recife, fiquei hospedado numa pensão, que ficava há poucos quarteirões do Centro de Treinamento Correio Paulo Bregaro, por recomendação de meu pai, que fizera no ano anterior o curso de Técnico Postal, de mais longa duração. Eram meus colegas de curso os piauienses Paulo Carneiro, Alcides Ananias Ibiapina, Bernardo Candeira do Val, chamado Doval, e Chaguinhas. Os dois últimos já são falecidos. Na mesma época, faziam o curso de Técnico Postal os conterrâneos Afonso Sandes, Jaime Medina e Euclides.

 

Doval estava sempre a falar em Parnaíba, onde morava, e em Buriti dos Lopes, sua terra natal, com muito entusiasmo e até mesmo com certo bairrismo eufórico e nostálgico. Mostrava-nos fotos e postais dessas cidades. Não sabia eu que, ainda em junho desse ano (1975), iria morar na primeira, a graciosa Princesa do Igaraçu, onde trabalharia na ECT e me formaria em Administração de Empresas, e onde faria algumas de minhas mais estimadas amizades. Talvez por isso, mantidas as proporções e consideradas as diferenças, Parnaíba sempre me fez evocar a bela Veneza Brasileira, que não mais revi, a não ser em fotografias e nos poemas evocativos do recifense Bandeira.

 

Aos sábados e domingos, fazíamos o nosso turismo, em locais diferentes de Recife e Olinda. Uma vez, fomos de ônibus elétrico conhecer, salvo engano, o parque zoobotânico de Recife. O veículo tinha uma haste ligada ao fio de energia, porém tinha pneus de borracha, como um ônibus qualquer, e não rodas de ferro, como bondes ferroviários. Nesses passeios, vimos o centro histórico recifense, com suas inúmeras pontes e seus vetustos prédios e igrejas, e a paisagem bucólica e marítima da linda cidade de Olinda. Fomos a Boa Viagem, e viajamos na formosura das ninfas em flor que perlongavam essa praia.

 

Num final de semana prolongado, fomos com colegas de Maceió conhecer as lagoas da capital de Alagoas e a beleza de suas praias. Fiquei hospedado na casa de um colega cujo nome já não recordo, e o Paulo foi hóspede dos pais do Rivadávia. Na casa destes saboreei uns frutos do mar; até então só conhecia quase exclusivamente peixes de água doce.

 

No meio dos velhos papéis garimpados por minha irmã, havia um cartão, datado de 11/07/1975, quando o curso já terminara, remetido por Ednelson, também alagoano, que contagiava todos com sua simpatia espontânea, certamente nascida de sua boa alma. Nesse postal dizia ele: “Vai esta vista para você de uma das praias mais belas que temos em Maceió”. A praia era Pajuçara, que conheci nessa viagem, e que a névoa do tempo já esvanece em minha memória.

 

Também era de Maceió a moça que mais nos encantava no centro de treinamento, com sua beleza quase rechonchuda, de muitas e arredondadas curvas, quando desfilava, sem ostensivos requebros e rebolados, pelo hall e pelos corredores da instituição. Ela não aparentava ser orgulhosa ou indiferente, mas não se exibia e nem flertava com ninguém. Seu semblante parecia satisfeito com os olhares que lhe eram endereçados, embora fingisse não notar. Corria rumores de que tinha um noivo em Alagoas.

 

Como disse na nota anterior, fui eleito orador de minha turma. Conhecia trechos de discursos de Rui Barbosa e de outros mestres da retórica. Lera sobre o romano Cícero e sobre o ateniense Demóstenes. Na minha meninice, ouvi, pessoalmente ou através do rádio, grandes oradores sacros e políticos do Piauí, entre os quais cito: Dom Avelar Brandão Vilela, Pe. Mateus Cortez Rufino, Pe. Solon Correia de Aragão, Severo Maria Eulálio, Celso Barros Coelho e Francisco Figueiredo de Mesquita. Já então tinha certo pendor para a oratória, não obstante fosse um tanto tímido e reservado. Resolvi caprichar, e tratei de escrever o texto, que haveria de ler na solenidade de formatura. Dei-lhe alguns contornos condoreiros e certo tom declamatório.

 

Um dos instrutores do centro, de temperamento expansivo e um tanto afogueado, de origem argentina, e ao que comentavam ainda parente de Peron, de vasto bigode, quase à Dalí, embora sem as pontas viradas para cima, disse, em retumbante hipérbole, que recebi com modéstia e discrição, que meu discurso merecia ter sido proferido em certo sodalício, cujo nome acho recomendável não declinar. De qualquer sorte, devo confessar que, intimamente, fiquei feliz com o bombástico elogio, e agradeci o mestre por suas palavras, mas esquivei-me da insidiosa picada da mosca azul, que tem levado ao ridículo tanta gente.

 

Quando eu fazia o estágio, etapa final do curso, numa das agências do centro do Recife, recebi o recado da diretora do centro de treinamento, dona Cecília, que era casada com o então diretor da ECT no Estado de Pernambuco, para que fosse a uma solenidade, que estava acontecendo, recitar o meu poema Recife, que naturalmente havia sido divulgado entre alguns poucos colegas, e que havia, não sei como, chegado ao seu conhecimento. Talvez o tenha declamado em outro evento anterior ou mesmo em sala de aula, mas não tenho certeza quanto a isso.

 

Passadas tantas décadas, já não recordo os detalhes. Certamente fui aplaudido, mas tudo está envolto em brumas em minha retentiva. Se tivesse sido vaiado, com certeza jamais teria esquecido. A lembrança permaneceria vívida e dolorida para sempre. Foi esse poema, que tanta alegria e tantas emoções me causou em minha adolescência, que por muitos anos considerei perdido; e agora foi encontrado por minha irmã Joserita. E eu o acolho, como se acolhesse um filho pródigo. Pródigo e perdido; perdido, mas nunca esquecido.