Tempo, universidade e liberdade
                      Por Cunha e Silva Filho

                     O tempo que passamos na universidade, com o fito de recebermos o diploma, muito pesa na nossa formação cultural e, contraditoriamente, muito nos toma daquela liberdade de escolha na questão de leituras, Por essa razão, esse tempo, conquanto fértil de ideias nascidas sobretudo da saudável interação com colegas e professores, tem um tanto de algo que nos faz pensar nas exigências burocráticas que, por si mesmas, não se coadunam com o tempo da criatividade absoluta.


                     No período pelo menos de quase dez anos em que nos vemos compelidos a ler e a discutir o que nos “obrigam” por injunções da natureza acadêmica, lá se vão preciosos anos em que, de moto próprio, escolheríamos nossos autores, nossas obras sem as pressões impostas pelas datas de entrega de trabalhos monográficos, cujo limite máximo de pressão situa-se no período da escrita da dissertação ou tese.


                  Confesso-lhe, leitor, que olhando para trás, mal acredito que haja passado por todas essas fases extenuantes, que haja obedecido a cronogramas, a relatórios e a tantas exigências de ordem técnico-burocrática. De parabéns estamos todos os que sobrevivemos a essas mil dificuldades . Não se pode negar que haja momentos de grandes alegrias no meio das canseiras e às vezes até de vontade de desistir de tudo.


                  Enquanto isso, lá fora do campus esperava por mim um considerável número de autores não lidos no tempo devido. Quer dizer, não se tratava apenas de autores não lidos, porém de estudos gerais não empreendidos e até de maior assiduidade nas leituras d e jornais e revistas.


                 Quando cursei os períodos de pós-graduação me dei conta de que alguns livros não lidos - teóricos ou não -, eram apenas um problema meu, individualmente localizado. Contudo, logo percebi que mesmo professores que lecionavam para nós não haviam lido certas obras, algumas das quais, diria, até imprescindíveis à área de letras. Compreendi que todos temos gaps de leituras. Compreendi mais que todos nós somos culturalmente incompletos. Afinal, entendi que isso não desmerece mestres e alunos. O que é relevante é a capacidade de disponibilidade para o autoaperfeiçoamento de cada ser humano.


                A formação intelectual merece ser orientada cedo por gente especializada a fim de que, no futuro, não seja prejudicada ou nos cause certa frustração por não havermos cuidado mais de nosso desenvolvimento cultural. Foi, de resto, pensando nesse tema que escrevi um pequeno livro sobre diretrizes pedagógicas na formação do educando de letras. A meu ver, a falta de orientação para os jovens não está, em geral, nos planos da docência superior, principalmente no primeiro período de vida universitária e isso é visível em depoimentos que me deram alunos recém-chegados ao terceiro grau de ensino.


              Poucos jovens universitários foram beneficiados por mentores intelectuais que, logo lhes reconhecendo a vocação, cuidaram de lhes propiciar a rota correta, antecipadora de deficiências que só vinte, trinta ou quarenta anos adiante, mostrarão suas consequências danosas.


             Daí que eu considere como o período mais independente do estudioso aquele no qual ele ainda possa dispor de algum tempo útil para em parte contornar as deficiências passadas cuja solução se viu postergada por muito tempo. É óbvio que me coloco neste artigo da perspectiva do educando.


            Entretanto, mesmo demorando a acontecer esse momento de maior liberdade de opções de nossas leituras atuais, é nele que devemos concentrar todo o nosso esforço de aprimoramento contínuo e pertinaz, que é um trabalho de uma vida.


          A liberdade nossa agora, fora de constrições acadêmicas, não conhece entraves a não ser os limites ditados  pelo tempo, que é breve, tal como a vida, segundo aprendemos com  o primeiro aforismo  de Hipócrates (Ars longa, vita brevis) na tradução latina.


          Seria até conveniente que, posto não o cumpríssemos na integra, traçássemos um plano de horário para estudos, seguindo aquela sugestão uma vez proposta em livro ou artigo de jornal, não sei ao certo, por Tristão de Athayde (1893-1983), segundo a qual as pessoas fazem planos ainda mesmo que não consigam realizá-los por inteiro.


        Não somos de ferro, por isso antecipemo-nos em afirmar: nada custa dispormos de um quadro de horários, de segunda a domingo, no qual distribuímos criteriosamente os nossos estudos, as nossas pesquisas e as nossas leituras, Eu mesmo o tenho feito não faz muito tempo, infelizmente. Deveria tê-lo iniciado muito mais cedo. Mas, essa estratégia nos ajuda e nos dá um sentido de organização e responsabilidade intelectual sem o qual nossas estudos tornar-se-iam barcos que, por defeito dos motores, permanecerão na água, à  deriva .