TAPAR O SOL COM UMA PENEIRA
Por Margarete Hülsendeger Em: 31/05/2012, às 14H02
Se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda.
Paulo Freire
Vestibular, ENEM, PROUNI, cotas, todos esses nomes estão ligados ao mesmo assunto: o ingresso em uma universidade. Não quero me envolver em polêmicas que questionem o valor de qualquer das modalidades citadas, pois acredito que todas têm seus aspectos positivos e negativos, portanto merecendo uma discussão mais abrangente e detalhada. Contudo, me aborrece constatar que os responsáveis pela implantação de novos modelos educacionais continuam, governo após governo, cometendo os mesmo erros e recaindo sempre nos mesmos equívocos.
Há cerca de 50 anos não havia, por exemplo, necessidade de cotas para alunos oriundos da escola pública, pois o que não lhes faltava eram condições de ingressar em uma universidade. Naquela época, eram as escolas particulares que precisavam correr atrás de aprovação no vestibular, eram elas que precisavam provar o quanto os seus alunos estavam melhor preparados.
Agora, cinco décadas depois, tudo está diferente. O quadro atual do ensino público é assustador. Professores mal pagos, sem tempo, energia e recursos para buscar qualificação e aprimoramento profissional. Escolas sucateadas onde falta desde o básico (giz e papel higiênico) até algo essencial, uma biblioteca com um acervo decente. E a situação só tem se agravado, sem que ninguém consiga resolver de forma efetiva essa problemática. O interesse pelo ensino público se perdeu ao longo do tempo e a pergunta que temos de nos fazer é: quem lucrou com isso?
No momento, a palavra de ordem é “devemos fazer justiça”. Com quem? A resposta é óbvia: com todos esses jovens que não estão recebendo o que lhes é de direito, uma educação básica de qualidade. E como essa justiça será feita? A solução mágica: franquear, por meio de cotas ou bolsas, o ingresso desses estudantes nas universidades públicas e privadas. O acerto ou erro dessa e de tantas outras decisões só poderá ser avaliado daqui a alguns anos, quando pesquisas que ainda serão realizadas (assim espero!) dirão quantos desses jovens conseguiram concluir o curso escolhido.
De minha parte, acredito que nada se resolve mirando apenas a porta de saída, principalmente quando o assunto é educação. Permitir que alunos sem o devido preparo ingressem nas universidades e sofram por não terem os pré-requisitos necessários para levar adiante seus estudos é, no meu ponto de vista, uma discriminação às avessas. E aqui nem estou colocando em debate o fato de que esses mesmos jovens, na sua grande maioria, precisam trabalhar e que muitos dos cursos que as universidades oferecem não são, na sua totalidade, noturnos.
De qualquer maneira, parece claro que os governantes e aqueles que se dizem “especialistas em educação” precisam parar de ver o mundo apenas através de suas lentes de doutores e de suas teorias que, na prática, não oferecem soluções, mas adicionam mais problemas a uma equação já bastante complexa. É preciso, na verdade, olhar para o início de tudo, para o ensino fundamental e médio, dando às escolas e seus professores condições decentes de trabalho e aos alunos um ambiente saudável que permita uma aprendizagem significativa e de qualidade.
Portanto, qualquer solução que não tenha como meta um investimento pesado na educação básica é demagogia pura ou, como diz o velho dito popular: “Tapar o sol com uma peneira”. E pelo que sei, nenhum governo realmente preocupado com o desenvolvimento efetivo de seu país teve êxito descuidando da educação de suas crianças e jovens. Concluo, então, repetindo a pergunta: a quem tem beneficiado o sucateamento da educação pública de base? Quem?!