Por Gabriel Perissé

Ao longo do tempo, vamos percebendo pouco a pouco o tamanho do viver — suas grandezas e pequenices, suas belezas e finitudes.

 

O viver é feito de alegrias pequenas e grandes: beijo suave na face, o voo da ave, descobrir do problema a inusitada chave, reler uma boa epígrafe.

 

O viver é feito de tristezas grandes e pequenas: a morte do amigo, a unha encravada, um aceno do nada, uma roupa apertada, a solidão amarga.

 

O viver é feito de grandes e pequenos encontros: com o vento, com um novo passatempo, com os contratempos, com algo tremendo, com o rebento.

 

O viver é feito de visões pequenas e grandes: formiga e horizonte, poeira e monte, fenda e abismo, gota e oceano, o mínimo e o exorbitante.

 

O viver é feito de surpresas grandes e pequenas: a chuva súbita, a acusação injusta, a surra, a tortura, mas também o puro amor e a cura.

 

O viver é feito de lutas pequenas e grandes: lutar contra o cupim, contra o teimoso capim, contra o fim, contra Caim, e até mesmo contra mim.

 

E do tamanho viver vamos vivendo, aprendendo a medir o imensurável, a pesar o imponderável, a calcular o incontável.

 

Veja você também, agora, o tamanho do seu viver.

 

Um minuto só, em que dentro cabe tudo, e aqueles muitos anos em que dentro nada cabe.

 

Um abraço em que você cresceu além do imaginado, e aquele adeus em que tudo se tornou tão diminuto.

 

A palavra única que lhe disse ao ouvido o essencial, e o discurso infindável, em praça pública, que acabou em besteirol.

 

O livro lido num piscar de olhos, e a frase mínima que ainda está por decifrar.

 

O caminho caminhado com alguém especial era tão curto, afinal, e sozinho no meio da multidão tudo tão alongado.

 

Você, sonhando acordado, outros mil mundos concebeu. E trabalhando dobrado, de sol a sol, nem um centavo a mais amealhou.

 

E o seu viver foi e vai acontecendo, sanfona tocando sem parar, noite e dia, dia e noite, lua crescente, lua minguante, expansões e retrações, enchentes e secas, bolhas que explodem, probleminhas que de repente se agigantam, problemas enormes que um dia encolhem e se tornam pouco mais do que um ponto.

 

Tamanho viver é pequeno demais para nós, e grande além da conta.

 

Tamanho viver não tem tamanho.

 

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor

 

Website:http://www.perisse.com.br/