Creio que preciso de ajuda. Não sei o que está acontecendo comigo. Pareço um bobo. No trânsito, o motor forte e robusto de meu automóvel me induz a não aceitar que qualquer carrinho possa andar à minha frente. Além de me considerar o dono das ruas, vejo-me como o melhor dos motoristas, o bambambã do volante. Desacato, é isto que penso estar fazendo aquele condutor que, como se eu não existisse, sem pedir autorização, me ultrapassa e, depois, volta para minha pista e nela resolve seguir, porém, desacelerando. Como se estivesse me pedindo para acelerar, antepor-me, novamente, a ele e passar a agir, exatamente, como vinha fazendo, minutos antes. Mal sabe o cara quão maravilhoso - faz-me sorrir por fora e rir por dentro – acho fazer alguém de bobo.
                Como tenho um carro potente, posso e devo acelerar à vontade, para que meus companheiros de tráfego me percebam, notem-me. Se aquele lá, coitado, com seu veículo mixuruca, arranca e tenta me desafiar, a princípio, finjo que não é comigo: deixo-o pensar que está podendo. Mas por muito pouco tempo. De repente, aciono meu turbo, faço cantar os pneus da máquina, cruzo-o e continuo acelerando: mostro-lhe, enfim, quem manda no pedaço. Só desacelero quando, pelo retrovisor, o vejo cada vez mais distante. Ao me defrontar com um veículo mais bravo e melhor que o meu, a conversa é a seguinte: se percebo que o condutor é tão idiota quanto eu, dou corda para ver até onde vai; se, ao contrário, ele é tranquilo, deixo-o de mão, não vou perder meu tempo com o bobalhão.
Sorte, meu Pai: isto foi sempre algo que tive em profusão. Tanta sandice e nenhum acidente sério, nenhuma grave consequência. Seria apenas essa tamanha proteção divina que me fazia acreditar ser alguém diferenciado, um iluminado? Não é possível. Até cabotinice tem limite.
 Pior de tudo é que, de uns tempos para cá, passei a perceber que não é somente no trânsito que ando irascível e rabugento. Comecei a questionar ou não aceitar tudo que, nos outros, julgo ser uma atitude, um gesto, um ato incorreto e, por conseguinte, inaceitável. É triste admitir, mas ajo como uma pessoa incivilizada, alguém que se imagina o centro do universo, um indivíduo quase perfeito e que, portanto, não precisa aprender a dividir espaços nem deixar de ser egoísta, tampouco se preocupar com o companheiro do lado, da frente ou de trás.
Vez em quando vou lá dentro de mim e me repreendo: que é isso, homem? Cara, só vão te notar, tanto no trânsito quanto na vida, a partir do momento em que te fizeres realmente importante, a ponto de perceberes que és só mais um neste mundão, e que ajudar e compreender os demais faz parte de tua missão; ou tão desimportante que os mais e os menos poderosos não aceitem ser por ti prejudicados ou preteridos. Nesses momentos decido mudar.
                E até tento. Juro que quero tornar-me um indivíduo mais compreensivo, paciente, cuidadoso; contudo, ainda não consegui. Pareço o viciado dependente que promete agora o que descumprirá daqui a pouco. Continuo um cidadão perigoso, para mim mesmo, meus familiares e para os outros.
Eu preciso ser um novo, bom e útil homem. Por esse motivo é que suplico ao Criador: faz de mim alguém assim. Não deixe que minha obtusidade e irascibilidade me transformem num ser asqueroso, um asco da sociedade. Tenho que aprender a aceitar as pessoas como elas são; afinal, ninguém tem culpa ou é responsável por eu ser um perfeito idiota.
                                       Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal
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