SOMOS TODOS ANÔNIMOS
Por Cunha e Silva Filho Em: 28/04/2016, às 13H00
Cunha e Silva Filho
No decorrer do tempo, a visibilidade de uma autor, seja critico, cronista, articulista, ficcionista, dramaturgo, gramático, filólogo, tradutor, o que seja no domínio da escrita literária se apaga, passa ao limbo à medida que os anos e os séculos se inscrevem no tempo decorrido. O tempo é como um grande romance conhecido de Machado de Assis (1839-1908), tudo devora, pois é uma sucessão de passamentos que valem, a meu ver, por uma definição, ou melhor, uma concepção algo pessimista da vida. Todos somos tragados, pulverizados pelo silêncio do tempo, da época. Ninguém quase escapa dessa condição humana auto-refletida na vaidade e na rapidez enlouquecida dos tempos pós-modernos.
Certa feita, um professor universitário, diante de seus alunos,confessou essa situação da existência contingencial diante dos valores conhecidos e incensados numa data etapa, valores em geral constitutivos de nichos, de grupos, que têm muito em comum, até as práticas acadêmicas, as pesquisas semelhantes, os interesses intelectuais, os postos de comando. Diria o professor: ”Ele tem o seu grupo, os seus seguidores. Nós (não sei a que grupo ele quis se referir para si) temos o nosso. Isso nos basta. Cada um fica na sua fronteira, no seu espaço conquistado. Não me importo se eles me estimam ou não. Não quero saber disso. Faço a minha parte.”
Se a vida literária nas décadas de 1930, 1940, 1950, somente para recortar um bom período de tempo em que houve tantas lutas, polêmicas, injustiças a autores, má interpretação de outros, cabotinismo, estrelismo, luta pelo poder das ideias literárias ou de métodos críticos ou de práticas estéticas vigentes na produção literária brasileira, é caracterizada por marchas e contramarchas, por grupos a favor disso ou daquilo no âmbito da literatura ou de grupos contra o establishment literária é bem visível igualmente que a voragem do tempo foi devastadora.[1]
Um crítico marxista, em livro, afirmou que um determinado crítico brasileiro não valia a pena ser mais lido. Já não falava mais nada no tocante às suas ideias sobre literatura. Vejo, diante de um fato dessa natureza, que a visibilidade é realmente uma leve brisa que passa e se fixa no passado sepultada até que, por uma circunstância ou outra, sai do limbo.
Ora, esta condição de ser um sujeito efêmero na atividade literária de alguma maneira tem um efeito salutarmente pedagógico àquelas figuras que se julgam ou são consideradas por seus simpatizantes, seus contemporâneos, seus incensadores, ou endeusadores de suas qualidades ímpares muito acima da mediania visto que lhes fazem despertar para as condições impostas pelo dinamismo de mudanças e multiplicidades de concepções e de ideias. A história literária mostra que a contemporaneidade é apenas uma fase transitória que logo é atropelada por novos ventos que se lhe opõem ou a superam. Diria Gilbert Frankau (1884-1952): “For all heights are lonely”[2].
Serve, então, de alívio àqueles que, por diversas razões ou condicionantes de vida, nunca se tornaram figuras marcantes ou foram mal julgadas ou rejeitadas na sua época. A historiografia literária está repleta de exemplos que se encaixam nessas condições de escassa visibilidade.
Por outro lado, é confortador que o julgamento alheio jamais será um indicador imparcial de valorização de autores em qualquer gênero. Os autores que se julgam subestimados não devem ter uma postura acabrunhante a ponto de desejarem desistir de seus objetivos ou projetos traçados no terreno da produção de sua obra. Muito ao contrário, deveriam ter sempre ao seu alcance sua utopia, o acalanto de um sonho que se realizará a despeito dos espinhos e dos dissabores que terão que enfrentar.
Sua grande saída é revestir-se de uma grande força de vontade e de desprendimento sem sinalizar nenhuma marca de desânimo e de abandonar o percurso já conquistado com ou sem visibilidade. Todo o seu esforço deve ser em direção ao auto-aperfeiçoamento contínuo, resistindo a tudo e a todos e tendo sempre em mente a ideias de que todos os seus pares, mais conhecidos ou menos conhecidos, conhecerão o ocaso do esquecimento e da ultrapassagem dos novos, numa sucessão incansável de perdas e ganhos. A metáfora dessa fase de ultrapassagem ou superação das novas gerações está bem descrita pelo hoje esquecido escritor Origens Lessa (1903-1986), precisamente nas páginas finais de seu romance O feijão e o sonho,[3] obra que, por sinal, foi adaptada ao cinema. A metáfora a que aludi constitui parte ponderável dos últimos capítulos da obra. Vejamos uma citação que representaria bem a glória literária e a sua decadência, que chamei de ultrapassagem:
[...] Todo o alto castelo que construíra com lágrimas, com sofrimento, com paixão, esbarrondava ao simples sopro de uma geração que o demolia, como ele tentara demolir trinta anos antes, com a mocidade do seu tempo, as glórias encontradas.”
[1] Cf. Acerca da vida literária duas obras, a meu ver, são fundamentais ao conhecimento da vida literária brasileira quanto ao recorte temporal de cada uma. Ver BROCA, Brito. A vida literária no Brasil -1900. 3 ed. Introdução de Francisco de Assis Brasil Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora/PROLIVRO, 1975 e COUTINHO, Afrânio. No hospital das letras. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1963.A primeira se notabiliza pela notável abrangência de exposição e de fatos; a segunda, pelo tom polêmico e contundência da exposição.
[2] Ver o ensaio desse autor, ”I am a lowbrow.” Apud ECKERSLEY, C.E. Brighter English. Revised edition. London: Longmans, 1964, p. 217. .
[3] LESSA, Orígenes. O feijão e o sonho. 6. edição.rev. Biografia de Renard Perez e e Introdução e notas de Ivan Cavalcanti Proença.. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1968, p. 200.