{M. T. Piacentini]

Reportando-me ainda a duas frases mencionadas pelo consulente na semana passada, lembro que os auxiliares TER e HAVER quando seguidos da preposição DE formam locuções verbais com sentidos diferentes entre si: 


A) HAVER DE expressa intenção, promessa:


Hei de comprar um carro 0 km. Hei de fazer a prova amanhã.

Por que haveríamos de nos preocupar em agir bem se não tivéssemos algum apoio para dizer que amanhã será melhor do que hoje?

O direito à diversidade haverá de tirar nossa possibilidade de exigir do outro que é diverso o mesmo que exigimos de nós próprios. 
 

B) TER DE (ou ter que, modernamente) dá ideia de obrigatoriedade, necessidade:


Lamentavelmente tenho de lhes dizer que seu crédito foi cortado.

Temos que assumir o peso de decidir o que vai valer e o que não vai valer em nossa inevitável convivência humana.
 

II - O verbo haver também pode ser usado como IMPESSOAL, sem flexão de número-pessoa, isto é, ele permanece na 3ª pessoa do singular seja qual for o tempo e modo verbal. Neste caso, tem as significações de:


1.  existir


A ética é o reconhecimento de que somos indivíduos porque outros indivíduos.

O pior, talvez, seja não o fato de haver concentração de renda, mas o fato de que se considere isso normal, banal, inevitável.
 

2. acontecer, realizar-se:


Houve mais dois simpósios para discutir o tema.
 

3. decorrer, ter passado (tempo):


No campo filosófico o debate está aceso há vários anos.

Faz tempo que não a vejo, pois há dias não vem trabalhar.


Vale observar que, neste caso 3, haver comuta com fazer, sendo opcional o uso da partícula que quando a expressão de tempo vem no início da oração: 
 

No campo filosófico o debate está aceso faz vários anos.

Há tempos [que] não a vejo, pois faz dias [que] não vem trabalhar.


Ainda com relação aos itens 1 e 2, vale comentar a vacilação que ocorre, principalmente na oralidade,  no uso das formas impessoais (sem concordância) nos tempos pretéritos e futuros. Há uma tendência dos falantes a pessoalizar o verbo haver como se faz com seus sinônimos. Assim, por exemplo, é possível ouvir, mesmo de pessoas cultas, “haviam gigantes, haverão dois simpósios”, dada a analogia com “existiam gigantes, acontecerão dois simpósios”. Todavia, a norma-padrão exige a não flexão: “havia gigantes, haverá dois simpósios”. Escrever do outro modo é incorrer em críticas, certamente.


Em termos de análise sintática, o que se dá com existir e acontecer é que a coisa existente ou acontecida é o sujeito da oração [gigantes existiam, simpósios acontecerão], ao passo que com haver a coisa existente é o objeto direto. Sendo o verbo haver impessoal neste caso, não existe sujeito, e não havendo sujeito não há por que flexionar o verbo.