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Lucilene Gomes Lima

 

 

       Os seringalistas constituem precisamente o elo intermediário na pirâmide do ciclo extrativo da borracha. Ligam-se ao aviador, comprador do produto internamente, e ao produtor ou extrator, o seringueiro. A imagem clássica do seringalista é a do homem poderoso, de origem quase sempre nordestina, trajando terno de linho branco “HJ”, chapéu-chile, utilizando bengala e relógio de algibeira. Tornou-se também comum a imagem dos seringalistas como homens rudes e incultos, prestigiados apenas por seu poder  econômico. O historiador Arthur Reis destaca que havia seringalistas que fugiam a esse padrão, possuindo escolarização e boas maneiras, adquirindo comportamento requintado através das viagens que faziam, o qual se ostentava nos ricos palacetes que mandavam construir na cidade.[1] Pesa também sobre os seringalistas a fama de esbanjadores. Assim, tem-se a imagem de seringalistas que acendiam charutos cubanos com notas de quinhentos mil réis.[2] Os seringalistas tornavam-se senhores em seus domínios em função  do sistema de exploração a que estavam manietados.[3] O débito dos seringueiros lhes dava amplos poderes sobre eles, inclusive de caçá-los em fuga e recebê-los de volta com auxílio do poder público. Como forma de reforçar seu status, os seringalistas obtinham, por meio de relações políticas, a compra de patentes da Guarda Nacional. Desse modo, surgiram os “coronéis de barranco”. Semelhantemente ao que ocorria com os aviadores, em relação à comenda, a patente dos coronéis era atribuída por força do hábito de se considerá-los homens importantes, mesmo que não a tivessem recebido oficialmente. Atuando como potentados, os seringalistas exerciam força moral, política e mesmo policial em seus domínios, estabelecendo vínculos de compadres e afilhados, fazendo conchavos e acordos para apoiar candidatos às eleições municipais e estaduais, resolvendo brigas, combatendo as invasões de seringais vizinhos, justiçando criminosos e exercendo poder para prender e punir seringueiros que fugissem de seu seringal.

       O perfil social do seringalista, que imprimia obediência no seringueiro e o mantinha subalterno, estava sustentado em uma fraqueza econômica: o capital fictício. Os seringalistas não possuíam verdadeiramente capital, dependiam do financiamento de mercadorias das casas aviadoras. Sem essas mercadorias, não possuíam uma forma de manter o vínculo empregatício com o seringueiro, arruinando o seu empreendimento. Para obter lucro num negócio tão instável, lançavam mão da sobretaxa de preços nas mercadorias que repassavam aos seringueiros. O lucro que obtinham dessa sobretaxa era investido na compra de residências nas capitais Belém ou Manaus, em tratamentos de saúde, em viagens e em gastos supérfluos. 



[1] Ibid., p. 224.

[2] Samuel BENCHIMOL, Amazônia: formação social e cultural, p. 142.

[3] Enlaçados por um sistema em que se tornavam dependentes dos aviadores e esses, por sua vez, dos importadores-exportadores, cabia aos seringalistas relacionarem-se diretamente com o extrator do látex. Os seringalistas mantinham o seringueiro sob sua rígida dependência. Para alcançar sua posição, este precisaria passar por uma longa experiência nos seringais, em muitos casos atravessando gradativamente as posições de seringueiro, mateiro, comboieiro, pesador, classificador, capataz, auxiliar de escrita, gerente de balcão, arrendatário de estradas e colocações.