SAUDADES DE EU-MENINO (Fragmento de memórias)

CUNHA E SILVA FILHO

Já olho para o passado e sinto uma distância enorme do eu-menino Isso já basta para sentir a amarga solidão dos tempos “idos e vividos.” A imagem de uma criança de três anos nas calçadas da Avenida Amaral, provavelmente brincando com a fantasia, já se apagaram. A criança logo sai de Amarante e vai pra Teresina. Amarante ficara para trás sem muita memória infantil, apenas aquela caindo ao chão e ferida no queixo.Vendo o acidente, , vó Candinha vai ao meu amparo, aflita em me ajudar diante do ferimento. Me lembro do gosto amargo de sal colocado em cima do ferimento. Ainda hoje, guardo no queixo tênues marcas do ocorrido. Vejo a sua imagem, gestos e cuidados comigo, mas todas essas relembranças são toldadas de sombras, de imagens turvas, indeterminadas, fugidias.

Ainda nessa fase de infância, me lembro de nossa viagem na mudança pra Teresina. Mamãe e papai, no ônibus, muito ocupados em carregar as crianças e dar a atenção a todas, despertou a atenção de uma senhora que, vendo as dificuldades de meus pais acomodarem no assento os filhos, se prontificou a ajudar, dizendo: “Me dê deste este aqui,” que, por sinal, era eu.

Contudo, no geral, em se tratando de relato das reminiscências da minha família por parte paterna, além das recordações felizes da presença de minha vó paterna, que ainda guardo comigo, perderam-se a voz e a fisionomia do que vira quando criança. Do todo dos meus antepassados paternos, só me resta uma fotografia antiga, na qual a família toda está reunida, pronta para uma foto histórica, onde aparecem meu tio Enoch, minha avó querida, a adolescente tia Maricô, que terminou se casando com o meu tio Enoch. Tia Maricô, aparece também em pé com seus olhos muito verdes e belos ao lado de tio Enoch, que igualmente tinha olhos muito verdes. Vovó Candinha, tendo ao colo meu tio Luizinho, um bebê lindo de olhos azuis e rosto arredondado, está sentada ao lado do meu avô. Com um olhar sério, um jovem senhor de olhos claros, azuis ou verdes e, do lado direito, em pé, meu pai vestido com elegância e à moda do tempo. Seus olhos são vivos e mostravam ser uma criança, de uns sete anos, um menino inteligente (foi meu avó Manoel Alexandre que, um dia, falando de papai-menino, dissera a uma figura importante, que estava em visita a Amarante, que meu pai era muito inteligente e seria bom que fosse estudar numa grande cidade internado. Seria Salvador, mas, levado pelas circunstâncias adversas , terminou indo para o Rio de Janeiro, pois o navio não podia atracar em Salvador em tempo de gripe espanhola. Meu avô queria vê-lo padre.

Não há, infelizmente, nada mais palpável na minha memória passada naquela Amarante mais calma após tantos anos decorridos. O que mais fortemente se me fixou na retentiva foi a cena de minha vó cuidando do meu ferimento. Tudo hoje, agora, não passa de um “retrato na parede” como diz Carlos Drummond de Andrade(1902-1987 ) num poema.

Hoje, me ressinto muito de que meu pai não tenha falado mais de seus antepassados do que foi meu bisavô, em nossas frequentes e proveitosas conversas, em Teresina, sobretudo quando morava na Rua Arlindo Nogueira, que tinha entrada também para a Rua São Pedro. Só me lembro de que ele contava que o bem-sucedido comerciante Manoel, meu avô, Alexandre e Silva, nome de Rua em Amarante, era um pai muito dedicado à família e muito bondoso, bondoso ao extremo, que gostava de, à noite, nadar no Rio Parnaíba e que colocava meu pai nas costas, o que fazia seguramente a alegria do menino esperto que foi papai. Quando meu avô faleceu, papai se encontrava estudando com os salesianos.

Meu avô paterno faleceu ainda moço. Tinha estatura baixa, não baixinho. Era mais para uma altura média. Mas era um homem bonito, a se ver pela foto dele já referida aqui O conjunto da família tinha um ar aristocrático, a se perceber pela indumentária vista na preciosa foto de família.

Papai sabia nadar bem e me lembro de que, numa reunião de amigos na piscina da Socopo, em Teresina, ele nadava comigo preso às suas costas. Papai era muito forte e corajoso. Era uma alegria pra mim, pois me sentia seguro com o bom desempenho dele comigo agarrado nas suas costas. Que alegria para aquele menino que nunca aprendeu a nadar mesmo na idade adulta. Não aprendi a nada justamente porque respeitava os conselhos de mamãe : ”Cuidado com o Rio Parnaíba, meu filho, suas águas são perigosas. Veja quantos meninos já ali morreram afogados!”

Eu tentei aprender sem ela saber mais levado pela influência de amigos e um primo preferido, o Weyden, a aprender sozinho a nadar. Até cheguei a me equilibrar na água, ou seja, boiava, como se dizia na época. Entretanto, por não fazê-lo com mais frequência acabei não indo mais para o Rio Parnaíba. Meu irmão Winston, que não obedecia os conselhos de mamãe, logo se tornou um bom nadador.

Uma vez me contou que salvara o saudoso poeta, escritor e historiador literário Herculano Moraes, quando, no rio Poti, estavam praticando natação, Herculano se viu um dia, em apuros numa certo ponto fundo do rio com águas mais revoltas. Herculano gritara por socorro, já passando mal. Foi aí que meu irmão foi em socorro dele livrando-o do afogamento.

No rio Poti, fui algumas vezes, porém ficava mais para paquerar as meninas bonitas que por lá andavam... Permaneci mais na beirada do rio, ou, melhor, na coroa apenas tomando sol.

r

 

Escreva um comentário…

Online