SAPOS E HOMENS

Miguel Carqueija

 

       Uma das principais tradições dos Estúdios Disney são os contos de fadas e, por extensão, as histórias de princesas. Já no longínquo ano de 1922, nos primórdios do estúdio, o grande Walt Disney realizava pequenos desenhos mudos como “Cinderela”, “O gato de botas” e “Chapeuzinho Vermelho”. Em 1937 começaram, com “Branca de Neve e os sete anões”, as animações em longa-metragem dos contos de fadas.

       Note-se que os chamados “contos de fadas” nem sempre apresentam fadas — como é o caso de “A princesa e o sapo”, dos Irmãos Grimm — história por demais conhecida. No caso, o clichê é o poder de um beijo de amor — despertar princesas encantadas (como em “Branca de Neve e os sete anões” e “A bela adormecida” — este último conto Disney filmou em 1958) ou reverter a transformação de um príncipe em sapo.

       Não sou a favor de uma extrema estilização de argumento, mas em alguns casos dá certo — como as adaptações de Roger Corman para histórias de Edgar Allan Poe. Em “The princess and the frog” os realizadores — à frente o conhecido e competente produtor executivo John Lasseter — optaram por desvincular o conto de seu ambiente original europeu e medievalesco, transportando-o para os Estados Unidos, para a Nova Órleans da década de 1920, em plena era do “jazz”.

       Embora a princesa negra (Tiana), que viveu para o trabalho e esqueceu o amor, e o Príncipe Naveen, da fictícia nação Maldonia, que possui a insólita característica de “príncipe encantado cafajeste”, sejam personagens originais, há que destacar o carisma do principal vilão, o macabro feiticeiro conhecido como Dr. Facilier, especialista em vodu. Facilier se jacta das suas relações com o “outro lado” e que irão determinar o rumo da história, com o improvável casal romântico Tiana/Naveen — ambos transmutados em sapos — tendo de aprender, na luta pela sobrevivência, a se conhecerem e superarem suas diferenças e idiossincrasias. No fim das contas, “A princesa e o sapo” passa alguns valores importantes, tais como: o trabalho não é a única coisa importante da vida; todavia, deve-se trabalhar mesmo quando se é um príncipe com dinheiro e honrarias.

       Ron Clement e John Musker — que já haviam trabalhado em “A pequena sereia” (“The little mermaid”, 1989) e outras produções Disney, assinam a direção e o roteiro desta animação muito divertida. Realizaram um ótimo trabalho e merecem elogios.

       Há que considerar, ainda, a presença de personagens coadjuvantes também notáveis, como a “chic” caçadora de príncipes Charlotte, muito divertida, o jacaré jazista Louis (nome que homenageia o grande Armstrong) e o patético vagalume Ray, que se apaixonou por uma estrela, que julga ser uma fêmea de vagalume vivendo numa altitude inaccessível e a quem ele chama de “Emanuelle”.

       A voz da protagonista Tiana ficou a cargo de Anika Noni Rose; o Príncipe Naveen recebeu a voz do brasileiro Bruno Campos. Destacamos também as vozes de Jennifer Cody como a hilária Charlotte La Bouff e Keith David no difícil papel do arquivilão Facilier.

       Uma produção, enfim, divertida e altamente recomendável, com valores apreciáveis.