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Tudo o que significa tem força. Por isso aquela minha temporada com Val me deixava radiante, me empurrava para a glória.

Por fim, a brisa da corrente nos trouxe de volta como se a lancha fosse um veleiro e ficamos no hotel, o colo cheio de livros, a bebericar um coquetel de frutas sobre as notícias do golpe, os olhos de Val se recolhendo com os reflexos do mar e com aquela sua superioridade de Marilyn Monroe morena e dourada, como se a vida estivesse em sua homenagem.

 

O veículo soprado pelo vento, íamos ocupar a casa de Búzios que eu tinha alugado e que depois de muitos anos comprei.

Passamos velozes pelo canal.

Foi somente quando me deitei na areia da praia que os vi, largos, na branca espuma da rebentação, o sol esquentando e as gaivotas em vôo rasantes como aviões em bandos barulhentos. Três jovens estavam nas cristas das ondas do horizonte.

 

Fechei os olhos por algum tempo. De onde aquele ar familiar? Não me lembro do que pensei nos minutos seguintes, mas a imagem ressurgiu e esValu-se, ressaltada no fundo azul e era o perfil de alguém que eu conhecera há vários anos.

Quando abri os olhos ele se aproximou de mim e eu o reconheci: era o Artur.

 

Alto, magro, já mais maduro (eu o conheci quase menino). Sofisticado, adamado. Com ele outros dois rapazes mais jovens. Numa fração de segundo fiquei parado, olhando-o - quase não o reconhecia. Ele ria-se de mim, apertou com força a minha mão e a de Val

ao mesmo tempo. Val passou a conversar, animada, com eles.

 

Jorginho, o garoto mais jovem, teria uns dezoito anos. Carlos, o outro, cerca de vinte e dois, forte como um Apolo de academia e tinha os cabelos densos caídos sobre os olhos, como uma espécie de cão.

 

Artur, maneiroso, afetado. Minha a naturalidade e a cortesia de um bandido, e eu tinha medo de o ferir. Desde aquele encontro ficamos juntos, os cinco, e no dia seguinte os três, que estavam acampados, foram hospedar-se na nossa casa.

 

 

No decorrer daqueles dias seguintes a imagem de Val com os rapazes começa a tumultuar minha cabeça.

 

Como um coice da memória a vejo, variada, dispersa, fumando, ouvindo metal em fúria daquele rock desconhecido, todos drogados e bêbados.

Carlos, o Apolo, vivia pela casa como um louco.

Jorginho, surdo dentro de sua música.

Artur, a Potestade, conseguindo arrancar dos limites do viver o transgredir de todas as normas. Vingador, Artur, o irmão da morte na fatalidade de víboras bêbadas. Flagelo de Deus.

Os dois rapazes, seus convictos crentes, viviam às suas expensas, porque Artur era das situações limites o holocausto da instauração de um absurdo vivido ali sob os nossos olhos, com o itifálico Carlos sempre à mostra, nossa única vizinhança era a praia defronte, ninguém mais poderia nos ouvir ou ver.

Era o apogeu da era sessenta. Sexo, drogas e rock.

        E seres rolavam pelo chão e por debaixo dos lençóis, sobre a mesa restos de uma comida azeda e leite derramado, copos de vidro quebrados entre farelos de pão e esperma, aquilo penetrando no mais fundo do meu corpo como uma lâmina oculta e sangrenta.