(Miguel Carqueija)

 

Garimpando a ficção científica brasileira, encontramos raridades curiosíssimas.

 

RESENHA: SPECTRA  O  PLANETA  MISTERIOSO de Margot L. Valente


                 



Contemp Editora Ltda. – Salvador, BA, 1983 (cx.postal 2432, CEP 40000)
Prefácio de Germano Machado, do Conselho Estadual de Cultura da Bahia.
Impresso pela Editora Odeam Ltda. – Av. Joana Angélica 1054 – tel. 243-7342 e 242-8780 – Salvador, BA, CEP 40000.


     Este livro foi encontrado num sebo de rua e é sem dúvida uma raridade.  A autora, nascida em 1932, em Salvador, chama-se Margarida Maria Franco Marques L. Valente, conforme notícia bibliográfica no final do volume (só não se diz de qual nome é a inicial L). Segundo o seu currículo, é professora de música, formada em 1953, é médica formada em 1956, mais tarde fez pós-graduação e especializou-se em Pediatria. Residiu em vários locais do país, mas voltou a morar em Salvador.
     Sem embargo de tantas credenciais, como escritora Margot L. Valente é decepcionante. O livro é tremendamente mal escrito, tanto em concepção como em redação, pois os erros de português estão espalhados do princípio ao fim. Entre os cacoetes, vemos que “numa” e “num” ela redige “n’uma” e “n’um”, além de omitir crases ou colocá-las onde não existem. Fora isso há frases mal construídas, verbos mal utilizados e abobrinhas como esta (pg. 65): “Neste preciso instante, uma nave alaranjada submerge (sic) do fundo do mar.”
     O próprio título é uma abobrinha, pois o tal planeta Spectra nada tem de misterioso: é o nosso velho conhecido Saturno, habitado por uma humanidade que vive na beatitude, comunicando-se amplamente com as humanidades de outros planetas, inclusive fora do Sistema Solar e da Via Láctea. Todas as pessoas, embora corporais e mortais (ainda que longevas, sobrevivendo milhares de anos), são maravilhosas, cheias de salamaleques, de amabilidades, não andam mas esvoaçam (a autora usa o verbo volitar ), irradiam luz, comunicam-se por telepatia. Os personagens terrestres, abduzidos em discos voadores, têm dificuldade em se adaptar a um mundo tão maravilhosamente perfeito, melhor dizendo, a toda aquela pieguice
     Os diálogos são particularmente paulificantes. Vejam esta pequena amostra:
     “ – E tu, Mateo, que achaste da experiência?
- Magnífica, senhor! Jamais havia pensado, em meus pequenos passeios (sic) nas Galáxias e planetas próximos, que viajar no Cosmo para tão longe constituísse tamanho conteúdo de experiências novas, de alegrias e de êxtase ao ver tantas e tão diferentes formas de beleza!”
         Outro detalhe constrangedor é o do planeta que, explodindo, libera um pedaço gigantesco que sai pelos espaços afora, ameaçando a estabilidade do universo. A certa altura o planeta Dino (o que restou dele) causa um grande sobressalto, conforme explica o enviado de Moyra: “Chocou-se com uma pequena estrela e um incêndio (sic) ameaça atingir o planeta Corios de habitantes primitivos porém pacíficos!” Lá vai então o grupo de socorro, e a patética descrição prossegue: “Dino gira com velocidade espantosa e a “pequena” estrela, que é duas vezes maior que a Terra na verdade, parece um grande sol em chamas. O planeta mais próximo está situado neste momento, bem embaixo dela (sic), de modo que, ao cair (sic), fatalmente o fará na atmosfera dele (sic!), causando danos incalculáveis...”
          A coisa ainda piora (preciso lembrar que estrelas já estão em chamas?), pois os “bombeiros” cósmicos acabam por deter o planeta com redes espaciais, destruindo-o com os tais raios Zelten.
          De fato não dá para analisar a sério o enredo, se é que se pode falar assim. Também não consigo entender o prefácio, que deve ter sido redigido por um amigo pessoal da autora. Afinal, sem atender ao absurdo do enredo e aos erros de português, e mesmo sendo membro do conselho de cultura do estado, ele usa expressões como “grande literatura” e “maturidade criativa” para comentar o romance de Margot L. Valente.
          Quanto à notícia biográfica do final, elenca uma série de livros da autora, como “Bem-aventurados os que choram” e “Uma mulher de branco”, mas nenhuma referência à publicação dos mesmos. Um dos títulos, “Nós e as estrelas”, parece ser ficção científica. Pelo estilo impessoal, puramente referencial, essa notícia deve ter sido redigida pela própria autora.
          É fácil deduzir que o livro foi bancado pela  autora, apesar do selo de uma editora baiana. A revisão não existe, o volume não faz parte de nenhuma coleção e não há referencia a outros livros da mesma publicadora. As orelhas estão em branco e não há qualquer apresentação da própria editora..