Renato Pires Castello Branco (1914-1996)
Em: 22/11/2012, às 09H12
Por Francisco Miguel de Moura
Renato Castelo Branco (assim assinava suas obras) nasceu em Parnaíba, em 12.9.1914 e faleceu em São Paulo, no dia 19.9.1995. Advogado, publicitário, poeta, ensaísta, cronista, romancista, historiador.
Membro da Academia Piauiense de Letras, cadeira 19, posse em 1984, patroneada por Antônio José de Sampaio e primeiro ocupante Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves. Com o falecimento de Renato Castelo Branco, foi eleito o escritor Alcenor Candeira Filho para sucedê-lo, assumindo-a em 19.3.1996.
Renato Castelo Branco é dos meus grandes amigos escritos, dele recebi muitas cartas e as repondi. Quando veio assumir a cadeira na APL, eu estava residindo em Salvador, Bahia. Entretanto, recebi dele, antes de falecer, uma lembrança muito grata: creio que era o último exemplar de “Teodoro Bicanca” que possuía, já com emendas, entrelinhas e sobretudo, trehcos totalmente cancelados. Era seu desejo. Pelo que li, avalia-se a consciência que tinha de sua escrita, reescrevendo sempre como é do costume dos grandes escritores.
Ele, em “Teodoro Bicanca”, é um estilista dos melhores de nossa língua, foi elogiado pelos grandes escritores da época: Jorge Amado, Josué Montello e Nelson Werneck Sodré, por exemplo. Possui uma obra vasta, praticando vários gêneros. Ao romance histórico trouxe inovações. Mas, para a literatura piauiense, nenhum dos seus livros tem a importância de “Teodoro Bicanca”, 1947. Trata-se de um romance regionalista, mas não visceralmente regionalista, sendo saudado pela crítica quando apareceu, e colocado ao lado de autores como Raquel de Quiroz, José Lins do Rego, Afonso Schmidt, Paulo Duarte e Ledo Ivo. E de todos eles só amealhou elogios. Assim foi que “Teodoro Bicanca”, 1947, conseguiu o prêmio do “Clube do Livro” e foi distinguido e selecionado pelo “Circulo Literário do Brasil”.
Realismo, observação local, personagens psicologicamente coerentes, além da linguagem correta, elegante, em ritmo de bom agrado, eis as características dessa obra. Outras do mesmo valor escreveu e publicou, e foram muitos. Apontamos alguns. “A Civilização do Couro”, 1942 (estreia), “O Piauí, a Terra, o Homem e o Meio”, 1970, e “Pré-História Brasileira - Fatos e Lendas”, 1971, são alguns dos seus ensaios; os principais romances são, além de “Teodoro Bicanca”, já mencionado, “A Conquista dos Sertões de Dentro”, 1983, “Rio da Liberdade”, 1982, “Senhores e Escravos”, 1984, “O Rio Mágico, 1987, e “A Ilha Encantada”, 1992, dois excelentes romances memorialísticos. Mas, na poesia, também foi importante a sua contribuição: “Os Sertões” (poema baseado na obra de Euclides da Cunha), 1943; “Candango, Gagarin, Blaiberg e Outros Poemas”, 1968; “A Janela do Céu”, 1969; “Amor e Angústia”, 1986; “O Anti-Cristo”, 1987.
Falando sobre a vida e a obra de Renato Castelo Branco, Assis Brasil conceitua sua poesia assim: “Embora o feijão com arroz possa ter sido a parte do leão na vida de R.C.B., o fato é que ele construiu a sua obra literária, escreveu seus livros de poemas, uma poesia atuante, forte, de sabor universal, sem descurar os valores telúricos e regionais, líricos e emblemáticos.” Nelson Werneck Sodré, põe ênfase na simplicidade do seu estilo e resume: “Forma superior e difícil”.
Renato Castelo Branco é, assim, o introdutor da ficção moderna, na literatura piauiense, e, segundo Alcenor Candeira Filho, “no romance histório, Renato Castelo Branco foi um dos poucos continuadores da obra de José de Alencar”.
Vejamos um trecho de “Teodoro Bicanca”:
“Pairava sobre a fazenda um ar de miséria e de morte, quando Crispim, Damião e Teodoro chegaram à casa de telha. Nas palhoças por onde passavam, plantadas à beira da estrada, os moradores escondiam-se dentro de casa, quando viam, ao longe, aproximarem-se os flagelados. A seca levara sua testada candente até os barrancos do Parnaíba. Também ela fora beber a água do rio poderoso, com os retirantes do Ceará. E as águas haviam baixado, matando a sede da seca, aflorando cômoros enormes do seu leito. A navegação tornara-se difícil, as barcas encalhando, os vareiros gemendo nas pontas das varas. A população ribeirinha perdera tudo do pouco que tinha. A colheita dos roçados havia se perdido inteiramente. A criação morrera sem pasto. E os retirantes tornaram a miséria ainda mais aguda, enchendo as estradas, morrendo de fome sob as árvores desfolhadas. Os caboclos da região fechavam as portas com medo dos amigos de outros tempos, com medo de sua visão angustiante, com pena de não terem o que lhes dar.
Só a cera proporcionava alguma coisa naquela quadra causticante – maior era o calor, maior era a produção dos carnaubais. Mas os carnaubais eram do coronel, a cera era do coronel, não matava a fome dos agregados. Na casa de telha, enorme, cercada de alpendres por todos os lados, o coronel Damasceno pesava as sacas de pó, macio como uma seda, e ia mandando para o armazém, para derreter nos grandes tachos ardentes. Os caboclos vinham chegando, suados, e o coronel Damasceno ia escrevendo em seu livro de notas: - Antônio Ferreira, 5 sacas... Bento, 4 sacas... pesa essa cera, Malaquias! Nonato, 3 sacas... muito pouco este ano, seu Nonato...
E antes que o Nonato pudesse justificar, já o coronel estava dando novas ordens:
- Seu Malaquias, vá mandando esta cera pro armazém, pra derreter!
Damião aproximou-se do coronel, acompanhado de Crispim:
- Deus esteja com vosmicê, seu coronel!”
“Teodoro Bicanca” marcou época, já devia ter sido republicado pelos poderes públicos para que professores e alunos tivessem acesso a essa obra cultural que registra um tempo e uma cultura representados pela seca, os retirantes, os trabalhadores dos carnaubais para tirar palha e cera de carnaúba, uma época que precisa ser estudada pelos piauienses, tal como os outros Estados o fizeram com seu escritores: o “Romance de 30” ou o “Regionalismo Nordestino”, não importa o nome, que exportou-se para outras regiões, chegando até o Rio Grande do Sul, com Érico Veríssimo e sua saga.