Cunha e Silva Filho

 


                         Em 1982, ocorreu o maior acidente, até então,  da viação aérea brasileira. Um Boeing, em direção ao estado do Ceará, chocou-se contra uma montanha, ceifando a vida de 135 pessoas. O acidente causou uma comoção nacional. Terrível, terrível mesmo. Sem sobreviventes. Não é fácil comparar tragédias, sobretudo porque ninguém as esquece nem as supera por completo. Cada tragédia traz a sua própria dor, a sua própria ferida. Não há lenitivo para a dor da alma, que é a da tragédia, diferente da tragédia grega, que é literária e leva à catarse.
                       Entretanto, o desastre aéreo da Air France, com destino a Paris e com pouco menos do dobro de passageiros daquele acidente brasileiro com o Boeing, ganha um sentido de tragicidade ainda maior em virtude das suas circunstâncias peculiares: o aparelho sumiu, o que levou a muitas especulações, muitas vezes conflitantes. Explodiu no ar? Caiu no Atlântico? Foi desviado por terroristas? Essas hipóteses todas só conduziam a mais dúvidas e incertezas.
                     Todas essas indagações não esclareceram até agora, uma semana depois do desastre, nem ao público, nem às famílias das vítimas, as causas reais que o provocaram.
                     A mídia, as autoridades brasileira e francesa, a família dos mortos, posto terem se mobilizado, cada qual à sua maneira, no sentido de obter dados concretos sobre a tragédia, ainda se mostram distantes e incertas quanto a esse infausto acontecimento.
                    É claro que todo esforço deve ser envidado para elucidar o motivo principal do acidente, assim como é imprescindível que medidas legais sejam tomadas para que possamos, sem cometer juízos precipitados, apurar possíveis responsabilidades da parte da empresa aérea francesa, principalmente porque até já se comentou que rotas aéreas, sujeitas a enfrentar, em determinados pontos do percurso, condições de risco de tempo, não são alteradas por razões de economia de combustível. 

                   Outros elementos já foram também lembrados e que depõem contra a normalidade exigível para a segurança de vôos da Air France, como é o caso dos sensores., ou seja, medidores de velocidade, muito úteis para que os computadores sejam informados sobre o tipo de aumento ou redução de velocidade que deve ser imprimida nas chamadas áreas de tormentas de alto risco, no caso específico, a Zona de Convergência Intertropical. O interessante, segundo ressalta o colunista do JB (06/06/09), Marcelo Ambrósio, é que os sensores usados pela Air France já deviam ter sido substituídos há um ano por uma versão mais atualizada, conforme informou a Agência Bloomberg de Paris, ao transmitir aos clientes Airbus um aviso dos fabricante dos sensores, a Thales.
                 Abstraindo esses aspectos técnicos, o acidente aéreo do vôo 447 nos conduz a algumas reflexões e que, no fundo, são as que mais dizem respeito ao desastre em si, e elas estão intimamente relacionadas com as perdas humanas, com a dor e o sofrimento, tanto o sofrimento e a dor por que passaram os passageiros, no seu pavor abissal, quanto a dor imensurável derramada em lágrimas eternas, as lágrimas das famílias enlutadas, agora, entregues à solidão insuperável, agônica, inacabada – cicatriz que não se fechará enquanto o coração bater descompassado e estraçalhado de saudade, de vontade de rever, em carne e osso, seus entes amados, cujo adeus derradeiro formado de beijos, abraços apertados, afagos, carinhos e enternecimento mútuos, teria custa-me dizê-lo -, seu destino selado a partir da separação do saguão do aeroporto à sala VIP de onde não mais se veriam para sempre.
                 Todas essas vidas perdidas, a de um bebezinho, anjo do céu e do mar , a de um casal de partida para a lua de mel parisiense, a de um jovem e promissor dentista, a de uma querida professora de alemão, a de um professor de química, a de um maestro simpático e querido dos amigos, enfim, de tantas outras pessoas, brasileiras ou estrangeiras que, na Cidade Luz, tanta coisa boa e bela as aguardava, Não há coração que agüente tanta dor, tanta tristeza.
                Ao interromper tantas vidas, a do comandante experiente e do resto da tripulação, dos passageiros, não há senão que mergulharmos na dimensão do insondável. Nossa passagem mesmo pela Terra é incompleta, existencialmente inconclusa e, no caso de acidentes trágicos, lamentavelmente absurda.
Nenhum ser humano nasceu para acabar assim, sem mais nada. Ao contrário, nascemos para sermos felizes. Nada se ajusta melhor à nossa passagem física, efêmera passagem, do que a afirmação seguinte: nasceu, cresceu, viveu e morreu velho e feliz. Assim deveria ser o ideal do destino de cada um de nós.
             Ao terminar este artigo, as notícias na TV nos informam  que, através de buscas  feitas pela Aeronáutica e Marinha brasileira, juntamente com aviões franceses e até americanos, foram  avistados corpos no mar. Informam serem possíveis vítimas do Voo 477.