Afirmou Hegel: "A necessidade não é cega senão na medida em que não é compreendida".
Por isso não somos livres do amor.
O reinado da necessidade se resume num aprisionamento, limitação, a ausência. Um consumo «inútil».
Consumir o inútil é a grande e gloriosa invenção do amor. Invenção e conseqüência.
O ser que esteja condenado a consumir apenas a necessidade de sobrevivência está excluída dos bens do amor, daquela necessidade que gera felicidade e crescimento, mas dor e lamentação.
O amante não tem liberdade.
Isso me ocorre sobre o consumo da arte e do amor.
Mas o amor é o consumo da beleza.
«O homem faz da beleza aquilo que ama, e da verdade aquilo em que crê», disse Novalis.
* * *
Há um soneto de Shakespeare que canta:
«Shall I compare thee to a summer's day?
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer's lease hath all too short a date:
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimm'd:
And every fair from fair sometime declines,
By chance, or nature's changing course untrimm'd;
But thy eternal summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou ow'st,
Nor shall death brag thou wander'st in his shade,
When in eternal lines to time thou grow'st;
So long as men can breathe, or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee.»
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Podemos traduzir muito livremente assim:
«A um dia de verão eu te comparo?
Tua face é mais bela, é mais suave
Que os ventos ácidos sobre os botões de maio
E o tempo estival tão pouco dura.
Às vezes o olho do céu brilha muito quente
E às vezes seu teto de ouro perde a luz.
E tudo o que é belo enfim declina
Devido ao acaso ou às mudanças de natura.
Mas teu verão é eterno e não desmaia,
Nem perde a possessão de tua beleza,
Nem deve a morte ensombrar-te:
Pois nestes versos eternos o tempo dura
Enquanto houver um homem que respira
Enquanto viver tais versos em dar-te a vida.»
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A arte do amor expande no espaço da liberdade e do eterno.
Mas o eterno aqui é a espera de nada, ou seja: a arte do amor não visa a nada, porque ela é em si sua própria finalidade.
A arte, diz o soneto, vai eternizar o amor.
A liberdade do amor é a espera de nada no sentido de que vige no espaço lúdico, isto é, gratuito, não visa a nada além dele mesmo e da sua conquista e satisfação.
Mas a arte faz a mimese do distanciamento estético do amor, intensificando a percepção e mantendo-o eterno com suas promessas de felicidade.
No soneto, o amor mata a morte, vence o tempo. Soberevive.
Cria o amor uma tensão para provocar a liberdade feliz. Ao liberar a tensão, libera a liberdade.
Felicidade extrema, a do amor.
Mas se fosse o objeto amoroso prometer que no fim o bem triunfaria sobre o mal, tal promessa seria refutada pela verdade: é o mal quem sempre triunfa, é a solidão, a morte e sua treva.
Apenas existem ilhas do bem em que podemos refugiar-nos durante algum tempo.
O amor faz do fim de toda a tensão o seu leito, só conseguido após a tensão máxima e revolucionária, de uma crise — o seu clímax e a Liberdade, o supremo, e a vitória da reconstrução da subjetividade.