ELMAR CARVALHO

 

Juntando o fato de que concluí a construção de um quarto e uma varanda na casa nova e de que fiz aniversário neste sábado, resolvi fazer uma pequena comemoração familiar no domingo passado. De Campo Maior vieram meus pais e o José Francisco Marques, meu amigo e filho de um amigo de meu pai. De Teresina, compareceram meu irmão Antônio José, a sua mulher Jesus e mais outros familiares de minha mulher, entre eles a Simone e o seu marido Cesinha. Também compareceu o Didi, que foi o mestre responsável pela pintura dos dois anexos. Armamos umas redes na varanda, de cores variadas, o que dá sempre uma ideia de alegria, de velas ou de flâmulas ao vento. Para aumentar o colorido festivo, o bolo confeitado simbolizava um gramado com o escudo do glorioso Flamengo, com o vermelho e o verde a representarem a vitalidade do sangue e da clorofila.

 

Fiz questão de inaugurar uma rede que me foi presenteada pelo professor Neto Chuíba, um conterrâneo e amigo. Quando estava, certa ocasião em sua casa/chácara, participando de uma comemoração de sua família, o Neto, na empolgação do momento, prometeu-me a rede, manufaturada artesanalmente por uma tia sua. Pedi-lhe para que não levasse a sério a promessa, e, portanto, não a cumprisse. Mas quando foi dois meses atrás eis que ele me entrega o mimo. Constatei que ele é um homem de palavra, que gosta de cumprir o que promete, mesmo quando desobrigado pela pessoa que seria beneficiada. Disse-lhe, então, que ele jamais poderia ser certo tipo de político, sobretudo os falastrões e fanfarrões das falsas promessas, os que prometem como nunca e faltam como sempre. Do aconchego dessa rede, branca como algodão e com a mesma maciez, vi meu pai deitado numa outra, de cor e textura diferentes, porém igualmente confortável.

 

Resolvi fazer um discurso relâmpago, como chamo essas meteóricas verbalizações ao sabor do improviso. Disse que não costumava comemorar os dias de meus anos, porquanto não via muita vantagem e mérito nisso, já que tudo e todos fazemos aniversário todos os anos, exceto se for pela graça de completarmos mais um ano de vida, o que de qualquer sorte é uma consequência natural de permanecermos vivos. Todavia, observei que era uma grande graça eu completar meio século e mais um lustro com pais vivos, lúcidos e gozando de boa saúde. Agradeço sempre as dádivas recebidas de Deus, e, portanto, demonstrei a minha alegria pelo término da construção.

 

Mas o que me levou ao trabalho e despesas com essa pequena obra é o fato de que agora já posso trazer parte de minha biblioteca para dentro de minha casa, e consequentemente voltando a ter ao alcance das mãos e dos olhos algumas centenas de livros que amealhei ao longo de várias décadas de esforço e trabalho. A outra parte irei doar a uma biblioteca municipal. Ainda não quero desfazer-me dos volumes que trarei; esses amigos, no seu silêncio, simplicidade e modéstia, me deram prazer, satisfação, encantamento e sabedoria de vida e mesmo da ciência, sem nunca me ferirem e sem jamais me magoarem. Algum dia os doarei a uma biblioteca pública, para que eles, objetos abençoados, sirvam a outras pessoas. Bem-aventurados os que servem, pelo simples prazer de estarem servindo, sem nada pedirem, sem nada desejarem.