Ratoeiras
Por Chagas Botelho Em: 24/03/2025, às 09H24

[Chagas Botelho]
Meu irmão, já falecido, construía ratoeiras. Invólucros colocados em todos os cantos. Verdadeiras obras de arte. Pareciam casas de bonecas arquitetadas. Os outros irmãos não se lembram, mas o primogênito dos homens tinha prazer indizível de capturar ratos.
Pudera. Os roedores assombravam dia e noite a casa. No oitão, então, promoviam corridas deslizantes. Em nosso lar, o gato que pegava rato era meu irmão. A isca no fundo da armadilha de madeira era queijo, tão raro naquela época de vacas magras. Ou angu de farinha, este, sim, amiúde em nossa mesa.
Um dia, o caixote arquitetônico, aprisionou três de uma vez só. O irmão fez uma festa barulhenta. Igual ao rito do caçador quando a caça é farta. Se fossem comestíveis, daria para almoçar e jantar. Porém, foram parar na guilhotina, também fabricada pelo mais astucioso da família.
À medida que as reformas avançavam na casa grande, as ratazanas desapareciam. Quanto mais cômodos reformados, menos se via a presença dos indesejáveis. Com isso, sem grande demanda destas pragas, as ratoeiras foram rareando. Depois extintas em definitivo.
Lembrei-me deste episódio antigo, porque ontem, sonhei com ratos. Não os de terno e gravata, mas aqueles de dentes incisivos. Uma porção deles, pequenos e graúdos. Acordei muito assustado. Resistentes, eles sitiavam minha morada. Desconheço o significado do sonho ou pesadelo. Caso se torne real, meu irmão infelizmente não estará mais aqui para dizimá-los.
Ainda na cama, me fiz inquietantes indagações sobre o devaneio: “E se ao invés de mau presságio, seja uma boa sugestão para que eu aposte no jogo do bicho? E, pode apostar num rato? Se puder, vai que ganho uma grana e compre café e ovos, hein?”. Por obséquio, se o caro leitor (a) sabe o real significado de sonhar com incontáveis camundongos, por favor, me informe, está bem?