Foto: Freepik
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[Paulo Ghiraldelli Jr.]

Um dos filmes mais interessantes sobre o racismo é Mississipi em Chamas (1988), aquele com Gene Hackman e mais um elenco de primeira linha. Mas há um outro, com menos fama, que merece a mesma atenção: The Chamber (1996), também com Hackman.

Na trama, o neto (Chris O’Donnel) do assassino (Gene Hackman) é um advogado. Sendo um advogado novato, ele se vê obrigado a pegar uma causa ruim, por indicação do poder público. Torna-se o defensor de um assassino de negros. O assassino estava na prisão fazia muito tempo, esperando um julgamento final. Uma vez condenado definitivamente, sua pena seria a morte na câmara de gás.

Em princípio, o advogado não sabe que o julgado era o seu avô. Quando fica sabendo, sente nojo do avô, mas, ao mesmo tempo, tem de defendê-lo, e então busca procurar entender a coisa toda, como ocorreu o crime e como de fato cresceu o avô, como ele havia se tornado um racista assassino.

O avô não queria ser defendido. Não entendia que havia feito um crime. O neto fez pesquisas, descobriu como o próprio pai dele havia se matado. Descobriu que o pai sempre havia sido chamado de fraco pelo avô. Quando do momento da defesa, o advogado a conduz de uma maneira brilhante. Procurou mostrar que na educação do avô o racismo era uma coisa tão corriqueira, que não se podia esperar daquele homem outro comportamento que não o de achar que negros não eram pessoas. Ele havia sido criado em um mundo em que a KKK era legal! Ele havia aprendido com os pais a bater em crianças negras. Esse foi o argumento da defesa: o racismo esta estruturalmente na sociedade americana quando da formação infantil e juvenil do avô. Claro que essa defesa não resolveu nada, o criminoso foi para a câmara de gás. Mas foi porque havia feito um ato terrorista, colocou bomba em edifício para matar os negros. No limite, a defesa acabou servindo: a questão do racismo ficou abrandada.

Ora, Silvio Almeida, o rapaz que inventou a tese do racismo estrutural (que já mostrei que não se sustenta nem histórica e nem logicamente em outro lugar) acaba tendo seu livro usado nesse sentido que apareceu no filme, na prática do advogado de defesa.

O racismo estrutural diz que o Brasil é racista, em todos os níveis, que o racismo está entranhado em nós. Ora, esse tipo de tese, não raro, pode se irmanar, em termos filosóficos, ao conservadorismo em tom historicista. Um promotor é um kantiano, que insiste que é a consciência de cada um que sabe, por ela própria, o que é certo e errado. Um advogado tende a ser um historicista, e busca mostrar que seu cliente, mesmo que tenha cometido mesmo um ato ruim, deve ter pena atenuada, uma vez que foi formado em uma sociedade que, na verdade, fez dele aquilo que ele veio a ser. O racismo estrutural de Silvio Almeida coloca o Brasil na condição de ter o racismo que regendo todas nossas instituições. Se seguirmos o livro dele, não conseguimos entender como que, no Brasil, temos tantas pessoas antirracistas e instituições de combate real ao racismo. Nem conseguimos entender as nossas leis, que são em geral antirracistas.

O próprio Sílvio não precisa de gente interpretando de maneira conservadora a sua tese. Ele próprio faz isso. Silvio costuma dizer, diante de atos racistas contra pobres, que “não esperava outra coisa”, afinal, “o racismo é estrutural”. Quando o que sofre o ato de racismo é famoso ou rico, quando vai aparecer a chance dele, Silvio, surgir na mídia para dar o seu showzinho, aí ele fala algo mais duro. Fora isso, trabalha em sentido do conservadorismo. Assim tem sido o comportamento da classe média: vide BBB 24 com Wanessa Camargo, que agora diz que quer aprender a ser antirracista, pois foi gerada no Brasil, o país do racismo estrutural – ela mesma repete a tese.

Quando Silvio é criticado e explicamos isso tudo para ele, como a tese dele não é só errada, mas é também conservadora, então ele se vitimiza e desfila um rol de títulos que ele têm, e que ele diz que são iguais aos do Haddad (!). Ele não consegue evoluir a partir das críticas. O complexo de inferioridade ganha a sua alma. Nesse sentido, o racismo pode ter estruturado a alma de alguns brasileiros, mas não a alma do Brasil.

O Brasil é um país em que o racismo está presente, mas o racismo não estrutura a instituições e a alma do povo brasileiro. Fomos capazes de tornar o racismo um crime, e temos tido a vigilância da sociedade brasileira de modo que os mais pobres e humildes, se sofrem atos racistas, sejam apontados, denunciados etc. A sociedade faz isso. Sílvio não faz.

Paulo Ghiraldelli, filósofo, professor, escritor e jornalista