Questões de vírgula
Por M. T. Piacentini Em: 07/08/2006, às 21H00
"Na frase ‘quem ler, viaja’, há gramáticos que condenam essa vírgula, pois estaria separando o sujeito do predicado. Outros aceitam argumentando que não se deve repetir dois verbos. O que a senhora acha?" (Luiz Neto, Natal/RN)
Acho que se pode – no caso de frases iniciadas com o pronome QUEM – quebrar a norma e usar a vírgula entre o sujeito e o predicado quando aparecem dois verbos juntos ou mesmo aproximados: Quem luta, consegue. Quem sabe, sabe. Quem for, verá. Quem não lê, não escreve. Quem lê bem, escreve bem. Quem ama, não mata. Quem diz sou, não é. Quem diz vou, não vai. Quem quer o melhor, escolhe XY. Quem diz não, é teimoso.
Não havendo problemas de clareza ou de estética, pode-se deixar a vírgula de lado, é claro:
Quem não deve não teme. Quem ama não adoece. Quem tudo quer tudo perde. Quem dá aos pobres empresta a Deus.
Os advérbios terminados em mente são necessariamente colocados entre vírgulas? (Mirian Silva Rossi, São Paulo/SP)
De jeito nenhum! Tampouco é preciso separá-los por vírgula no início da frase. Veja: Esta é uma medida tecnologicamente possível. Falou incansavelmente para a multidão. Saiu-se razoavelmente bem. Disse que lamentavelmente não havia condições de retorno. As cores azul e verde correspondem respectivamente aos grupos 10 e 11. Felizmente o pior já passou.
Mas você usará a vírgula se quiser dar ênfase especial ao que o advérbio expressa: Disse, inaudivelmente, que não se casaria. Infelizmente, não nos encontramos no colégio. As cores azul e verde correspondem, respectivamente, aos grupos 10 e 11.
"Ao escrevermos ‘dois mil, trezentos e vinte e seis reais e doze centavos’, é necessário pormos essa vírgula?" (Luiz Neto, Natal/RN)
Não é necessário mas é bem possível. O gramático Celso Luft advoga a colocação dessa vírgula, pois é a marca da coordenação sem conjunção ("assindética"). Napoleão Mendes da Almeida, na sua gramática, também a usa. Exemplos:
22.501 = vinte e dois mil, quinhentos e um
4.455 = quatro mil, quatrocentos e cinqüenta e cinco
3.440.205.528.367= três trilhões, quatrocentos e quarenta bilhões, duzentos e cinco milhões, quinhentos e vinte e oito mil, trezentos e sessenta e sete.
Mas (com zeros): 1.400 = mil e quatrocentos ; 4.005 = quatro mil e cinco.
Por outro lado, jornais modernos já não trazem essa vírgula depois de mil, no que têm o respaldo do gramático Celso Cunha:
62.540 = sessenta e dois mil quinhentos e quarenta
293.572 = duzentos e noventa e três mil quinhentos e setenta e dois
3. 415.741.210 = três bilhões, quatrocentos e quinze milhões, setecentos e quarenta e um mil duzentos e dez.
"Recebo correspondências onde se lê: ‘Prezado Senhor,’. O certo não será ‘Prezado Senhor:’?" (M. C., Recife/PE)
Há três possibilidades de uso do vocativo em ofícios e cartas comerciais no aspecto da pontuação:
Prezado Senhor, [com vírgula]
Prezado Senhor: [com dois-pontos]
Prezado Senhor [sem nada: versão moderna, mais limpa e econômica].
Naturalmente, em correspondência de cunho particular, dita a regra quem escreve. Aí se usa a pontuação (ou não) a gosto – é possível até continuar a escrever na mesma linha depois do nome seguido de vírgula ou dois-pontos.
*Maria Tereza de Queiroz Piacentini, autora dos livros "Só Vírgula" e "Só Palavras Compostas", é diretora do Instituto Euclides da Cunha, www.linguabrasil.com.br