JOSÉ FRANCISCO MARQUES (*)


Remonto ao início dos anos 70, mais precisamente após o nosso escrete canarinho haver conquistado a tão cobiçada taça Jules Rimet. A nossa seleção (considerada ainda hoje por experts como a melhor de todas as seleções), despertou de maneira ainda mais efusiva e visível a simpatia por esse esporte. Assim, o futebol de várzea efervescia certamente por conta de tal feito.

Eu, não contrariando a toda uma geração, me deixei levar por essa “onda” futebolística. O meu primo/irmão João Bartolomeu Filho fundou na época um time de futebol amador, o qual denominou de Palmeiras. Era de fato um time bem organizado, com reuniões semanais, englobando todos os que faziam parte daquela equipe.

Organizou-se então um Campeonato que tinha como coordenador mor um jovem ao qual chamavam de Pedro Rocha, apelido que acredito ser uma alusão ao então famoso craque do São Paulo naquela época, cujo nome verdadeiro era Antônio Francisco Souza. A citada competição acontecia aos domingos, no Estádio Deusdedit Melo .

Eu era uma espécie de faz tudo. O office boy da equipe por assim dizer. Lembro que, dentre as tarefas a mim delegadas, a que mais me deixava prazeroso era a de literalmente acordar o nosso atleta maior. Refiro-me ao mestre amigo, poeta, cronista, blogueiro dos mais famosos e imortal de várias academias, dentre elas a Piauiense de Letras, Elmar Carvalho, que representava, sem dúvida alguma, a peça que transmitia a toda equipe a segurança necessária. Assim o digo porque, enquanto eu não conseguisse completar a minha tarefa, lá no Estádio, o meu primo usava de todas as artimanhas possíveis para protelar o início do jogo, para iniciá-lo apenas quando o nosso guarda-metas chegasse.

Elmar era de fato um goleiro diferenciado. Elegante em suas defesas e de uma agilidade impressionante, pois muitas vezes arrancava aplausos (fato raríssimo entre expectadores desse nível futebolístico), da platéia que o assistia. Eu, entre orgulhoso e com um nítido sentimento de dever cumprido, sentia-me dentro do contexto feliz por ser parte, ainda que ínfima, desse espetáculo que dominicalmente o nosso atleta oferecia.

Lembro-me, dentre outros feitos, de uma defesa antológica que Elmar praticou. Repassei, durante muito tempo, aos amigos que militavam na área esportiva, tal feito. Era uma espécie de semifinal ou algo parecido. O jogo estava duríssimo e o Palmeiras vencia por 1X0. O jogo já estava quase finalizando, quando o centroavante adversário acertou uma cabeçada no canto esquerdo, tendo o nosso goleiro, em um reflexo incrível, efetuado a defesa. A bola resvalou na trave. A pelota sobrou para outro atacante, que de primeira soltou um “torpedo”; o nosso arqueiro, usando de uma agilidade felina, conseguiu, no canto contrário, fazer uma defesa fenomenal. Mais tarde, ao ver uma defesa de Rojas, atuando no Santos (os mais afeitos ao futebol certamente lembrarão), é que pude estabelecer um comparativo com essa verdadeira façanha malabarística.

Elmar tornou-se um grande goleiro precocemente. Certa feita, ainda criança, jogava com alguns amigos em um campinho de futebol. A sua atuação despertou a atenção de um agricultor que por ali passava. Depois de seguidas defesas e voos, a espalmar a bola, o agricultor, não contendo a sua admiração e espanto, expressou em voz alta: “Meu Deus, parece um passarinzim”.

O lado intelectual falou mais alto, e assim o futebol perdeu um grande goleiro. A magistratura, por sua vez, ganhou um reforço substancial.

Mas, voltando às minhas memórias, jogo terminado, Elmar seguia, agora com alguns amigos, de volta ao seu lar (ou algum boteco), não sei ao certo, entre elogios e expressões de puro contentamento.

Hoje, depois de muitos anos, o mesmo jogador brilhante, que antes imitava com perfeição o voo dos pássaros em suas defesas acrobáticas, transporta-me em suas asas poéticas a voos ainda mais densos e infindos.

Mestre, humildemente vos pergunto: Quem vos ensinou a voar?

(*) Professor, compositor e instrumentista

Depois desta crônica, só me resta dizer, parafraseando o poeta Mário Quintana: Muitos goleiros passarão, eu passarinho.
Elmar Carvalho