NA NOITE

 

Elmar Carvalho

 

Na noite

um sapo coaxa.

Uma puta triste

acha graça. Acha graça.

Um galo

às desoras desfere um canto

fora de hora. E chora.

Um cão ladra por nada:

nenhuma cadela no cio.

O silêncio

grita como louco

na concha acústica

dos labirintos dos ouvidos moucos

por onde um Teseu lasso caminha

em busca do Minotauro – perdido

sem o fio de Ariadne –

conduzido por outro fio

que parte / se parte e

se reparte entre o ser

e o não ser.

E os gritos de Teseu

arrancam ecos

que já ecos de si mesmos

se repetem se repetem

até a mais completa

absoluta exaustão.

 

CANÇÃO MELANCÓLICA

 

Clóvis Moura

 

Nasci coberto de luas.

Minha mãe silenciou:

vai ser poeta das ruas,

e o vaticínio acertou.

Por isto nas praças públicas

meu verso se faz fumaça,

ama o silêncio, a penumbra

que os cadáveres fabricam

ou o riso emurchecido

dos vagabundos notívagos.

Dentro da noite navego

no meu barco sem comando

enquanto o mundo transita

em um mar feito de gritos.

Solto nuvens sonolentas

com o meu verso de fumaça:

que importa se ele naufraga

se sou poeta que passa?

A Santa me olha solene:

será Saudade ou tristeza?

Fico perdido na dúvida

e me duplico: incerteza.

 

Por isto é que sou poeta

pois a mãe sentenciou:

não caminho em linha reta

e fujo do que já sou.

 

INVERNO

 

H. Dobal

 

Debaixo de chuva os campos anoitecem

preparando a sua ressurreição.

Amanhece com o dia a vida nova

na sangria dos açudes,

nas veias abertas dos riachos.

 

Chuva cantando nas folhas

água correndo,

água nova cantando no chão.

De novo o resplendor da vida restaurado

num concerto geral

que pássaro nenhum, nenhum instrumento,

nenhuma garganta de homem ou mulher

jamais pode alcançar.

 

NEL MEZZO DEL CAMIN...

 

Da Costa e Silva

 

Passou de leve a Esperança

Pelo meu coração...

Encantou-me no azul do meu sonho de criança:

Ardeu como uma estrela... E era um pobre balão!

 

Passou de leve a Alegria

Pelo meu coração...

O Amor, dentro em meu ser, como um jardim, floria...

Como é triste, meu Deus, esta recordação!

 

Passou de leve a Ventura

Pelo meu coração...

Como foi que passou, se a busco com loucura,

Sentindo-me infeliz por desejá-la em vão?