Cunha e Silva Filho


                         O Brasil se tornou um país de velhos. Há velhos por toda a parte. Há até mesmo um “Estatuto do Idoso” que não sei se está sendo cumprido, porquanto os estatutos em geral não são cumpridos na prática. É preciso que estejamos atentos para que nossos velhos não sofram no país o que se está constatando na cotidianidade de nossa sociedade.
                          No bairro em que moro, no Rio de Janeiro, a Tijuca, bairro que, no tempo do Império e até na Velha República, era considerado aristocrático, com as suas casas requintadas, seus palacetes, e, em alguns lugares, com suas chácaras da nobreza, estatisticamente é tido como um bairro de elevado índice de pessoas idosas. José de Alencar, Castro Alves foram figuras que nele já moraram. Mesmo atualmente nele residem ilustres nomes da inteligência brasileira, como o filólogo Evanildo Bechara, o latinista Rosalvo do Vale, ex-professor da Universidade Fluminense   e o professor Carly Silva, este último, por sinal, foi um dos mais competentes e brilhantes mestres que tive na graduação quando lecionou língua e literatura inglesa na Faculdade de Letras da UFRJ tendo também sido professor Titular na UERJ e na UFF.
                        Falei de pessoas que hoje são idosas embora em franca atividade, como o professor Bechara e o professor Rosalvo do Vale. O professor Carly, aposentado, me parece que não está em atividade, mas sei que está ainda bem lúcido e provavelmente continuando com seus estudos e pesquisas.
                         Até aqui me ative a fazer comentários sobre idosos que, graças a Deus, desfrutam de uma velhice saudável, protegida e respeitada. Não obstante, há um outro lado da moeda na questão do idoso.
                        Ontem, assisti pela TV Record, a um programa focalizando a situação dos velhos brasileiros, um outro tipo de idosos, os abandonados, que estão urgentemente necessitando de nossa. ajuda e de nossa atenção. Estão abandonados sob diversas formas, pela família, pelos filhos, pelos amigos, pelos poderes públicos. A mais grave – e que é parte central do tema desta crônica -, é que nossos velhos estão sendo maltratados física e moralmente pela família.
                        A reportagem, que assusta até os menos sensíveis, mostrou uma série de situações de atos de covardia, de brutalidades cometidos por membros da própria família dos idosos, que vivem como párias, como trastes, pela total ausência de cuidados para com eles. Sofrem espancamentos, são ameaçados dentro dos seus lares, que, muitas, vezes, se transformam em lugares fétidos, indignos de que um ser humano ali habite. Isso tudo porque filhos, parentes, não os querem saber mais deles. Alegam não terem condições econômicas e de tempo para cuidar deles. Saem enxotados do seio do lar por  membros da família ou  descendentes mais novos e vão para abrigos ou asilos.Lá são esquecidos, de ninguém recebem visitas. Foram esquecidos.
                       A família brasileira em parte está em crise, crise moral, crise de humanidade, crise de apoio e assistência aos idosos.Muitos deles, quando perguntados se desejam continuar vivendo, respondem taxativamente que não, prefeririam morrer a levar essa vida de horrores, de solidão absoluta. O que mais me causa indignação é verificar que tais idosos convivem com  familiares que , além  de os  maltratarem  fisicamente, são   até sustentados pelas  minguadas aposentadorias das vítimas. Sem força para enfrentar a covardia dos mais novos, vivem à mercê do estado de mau humor de filhos, netos, genros ou noras. Alguns deles, de tão espancados, terminam morrendo abandonados em hospitais públicos. Crime infame
                     A grande alegação deslavada dos descendentes quase sempre é a mesma: não têm tempo nem condições de cuidar dessa velhice maltratada e desrespeitada. Vejo que, nos grandes centros, a negligência pelos idosos é ainda mais profunda porque os novos hábitos de vida feitos, sob a égide da pressa pela sobrevivência, vai minando os antigos laços afetivos entre as pessoas ligadas pela consanguineidade. As distâncias de moradias entre as famílias, nas grandes cidades, separam cruelmente membros da família e a vida difícil vai cuidando de esgarçar por completo qualquer vestígio de sentimento de amor e solidariedade para com os mais velhos.
                    A questão da velhice vítima da violência física e moral se põe, assim, como um desafio aos responsáveis pela situação caótica dos idosos, sobretudo os menos favorecidos economicamente.
                    A assistência social dos poderes públicos, junto com o ministério público, devem  urgentemente ir a campo e realizar um rigoroso levantamento, sobretudo nas metrópoles brasileiras, da angustiante condição de vida desses milhares de idosos vítimas de famílias psicologicamente despreparadas.      Não é possível que assistamos de braços cruzados a essa espécie de holocausto imposto aos idosos, sobretudo aos que estão doentes, vivendo em muquinfos, mal alimentados, carentes de tudo: remédios, tratamento geriátrico adequado e personalizado, carinho, amizade, e necessitando, ademais, do apoio jurídico a fim de minorar e reduzir ao máximo os casos de brutalidades infligidas à chamada terceira idade desamparada.
                 Que as autoridades brasileiras se espelhem nos países que respeitam os mais velhos, como o Japão, a China, entre outros, em que essa fase da vida é sinônimo de experiência sabedoria, respeito e reverência. Essa devia ser a norma na relação entre velhos e jovens. Mútuo respeito, e muito mais ainda para com os idosos.
                Não retrocedamos aos tempos da antiguidade grega em cuja mitologia os deuses mais jovens ocupavam um lugar destaque, ao passo que aos velhos era atribuída a idéia de enfraquecimento ou declínio. Aliás, em se falando de respeito aos mais velhos, cumpre à escola brasileira propiciar, desde os níveis mais elementares de educação de nossas crianças, uma saudável orientação de tratamento pedagógico adequado a ser dispensado aos mais velhos, simplificando a linguagem do Estatuto do Idoso a fim de que os pequenos de hoje, pela lição do conteúdo do seu texto, tomem consciência do valor da velhice e da obrigação que todos devemos ter pelo bem-estar e felicidade dessas gerações passadas, carinhosamente chamadas por alguns de ”melhor idade.”
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