[Maria do Rosário Pedreira]

Tenho lido aqui e ali que nem tudo é mau nos tempos que atravessamos. Ou, melhor, que o horror do que vivemos pode ter efeitos de algum modo positivos a médio prazo. Ao que parece, muitos dos que andavam adormecidos despertaram com a chicotada do desemprego ou do desaparecimento das bolsas de estudo e, se antes nem iam às urnas em domingo de eleições, agora manifestam-se na praça pública e lutam pelos seus direitos. Também se diz que é, normalmente, em tempos obscuros e difíceis que os criadores sobressaem, que se tiram coelhos da cartola vazia e as artes fazem das tripas coração – ou seja, que as ideias boas e bonitas dão a cara; e, finalmente, ouço pessoas afirmarem que as coisas precisam de bater no fundo para virem ao de cima outras melhores. Gostava de acreditar nisso, até porque, nos últimos anos, vi o declínio de muita coisa que achava válida e a ascensão da mediocridade em vários domínios – no político, então, nem se fala. Mas, lamentavelmente, estou um pouco céptica: é que, de há uns meses para cá, suicidaram-se quatro jovens que, não sendo próximos, eram próximos de pessoas com quem trabalhei ou a quem estive ligada por razões profissionais. Atiraram-se de pontes ou para baixo de comboios e viviam, pelos vistos, crises maiores do que esta a que assistimos na Europa. O último foi o poeta Rui Costa, que ganhou o prémio Daniel Faria e concorreu à direcção do P.E.N. Clube há uns três anos, de quem hoje deixo aqui um poema. Espero que não passe tudo de uma coincidência.

 

O pão

 

 Há pessoas que amam

Com os dedos todos sobre a mesa.

Aquecem o pão com o suor do rosto

E quando as perdemos estão sempre

Ao nosso lado.

Por enquanto não nos tocam:

A lua encontra o pão caiado que comemos

Enquanto o riso das promessas destila

Na solidão da erva.

Estas pessoas são o chão

Onde erguemos o sol que nos falhou os dedos

E pôs um fruto negro no lugar do coração.

Estas pessoas são o chão

Que não precisa de voar.