Cunha e Silva Filho

 

      Se fizermos uma retrospectiva da história do petismo no país, com certeza teríamos que reconhecer duas etapas sintomaticamente diferentes e contraditórias 1) a ascensão do Lula com o sucesso de um governo que se propôs reduzir o número gigantesco dos excluídos sociais - pedra de toque do programa ideológico do Partido dos Trabalhadores; 2) a queda paulatina, por razões de imoralidade pública, que o próprio petismo desencadeou com um série de escândalos contabilizados pelo partido, cuja liderança esteve sempre enfeixada nas mãos do líder de estofo populista e salvacionista, esperança e admiração que passaram a alimentar a mentalidade das classes desprotegidas de norte a sul no Brasil.
       Essa posição privilegiada que em que se manteve no primeiro e até no segundo mandato rendeu-lhe dividendos enormes a ponto de ser chamado por líderes internacionais de um presidente que conseguiu tirar os brasileiros da miséria e de mesmo realizar uma mobilidade social pela qual as classe mais pobres ascendessem a níveis de classes médias.
       Sua liderança no exterior subiu às alturas, sendo até recebido pela rainha Elisabeth II da Inglaterra e de ter se tornado, em universidades do país e bem assim em mais de uma universidade no exterior, doutor honoris causa. Sociólogos, historiadores europeus não perderam tempo de reconhecer méritos incontestes no líder popular brasileiro. O presidente Obama o chamou, não sei se por sutil ironia, de “o cara.” Um intelectual brasileiro sobre ele escreveu um livro. Sua carreira política vitoriosa o transformou em filme.
    Lula era a garantia de um governante respeitado sobretudo pela esquerda, quando ele mesmo nunca foi esquerdista (e ele próprio o confessou) nem tampouco nunca leu Marx. Entre o professorado de universidades públicas granjeou fama e poucos são os docentes universitários até hoje que não lhe rendem tributo e lhe reconhecem a importância na história política brasileira. O motivo dessa preferência me escapa ao entendimento.
     Carismático, - alguns cientistas políticos não gostam desse qualificativo -, bom orador das massas, inteligente, astuto, conhecedor privilegiado dos bastidores do sindicalismo nacional, ganhou experiência como parlamentar Juntou todo esse cabedal prático e terminou vencendo uma eleição (2002) para o cargo mais alto da Nação, a Presidência da República, passando a ser o 35º presidente do país.
    Sua estrela foi crescendo. Ao atingir seu ponto mais alto, no segundo mandato, algo estava a caminho na contramão do seu estrelismo.. O partido, posto que ainda fortalecido e com boa popularidade junto às pesquisas de opinião, ainda lhe permitia boa margem de credibilidade nas camadas mais populares da sociedade, sobretudo no Nordeste, onde sempre obtinha altíssimo ativo nas urnas.
   Contudo, algo novo se acrescentou a uma biografia de causar inveja a todos os presidentes brasileiros, conforme se pode constatar numa simples pesquisa do seu currículo e de bibliografia sobre Lula. Esse novo acontecimento foi o que se chamou escândalo do “Mensalão,” um tsunami que atingiu frontalmente membros do alto escalão do presidente Lula, a começar do seu chefe da Casa Civil, José Dirceu, acusado de práticas ilícitas de natureza financeira junto com outros membros do governo. De resto, o primeiro tiro contra o governo Lula foram as denúncias do deputado do PTB, Roberto Jefferson, sobre um esquema de propinas nos Correios. Entretanto, Lula saiu ileso desse incidente.
      Ao escândalo do Mensalão, o país se defrontou com outro não menos grave e danoso às finanças do país, o Petrolão, no qual estavam implicados altos funcionários da Petrobrás acusados de desvios vultosos de dinheiro da Estatal sob formas de propinas, quer dizer, um conluio criminoso entre empresários e governo federal.
    Contudo, foi com a chamada Operação Lava Jato, instrumentalizada numa série de etapas de investigações do Ministério Público, tendo à frente a sua condução capitaneada pelo juiz Sergio Moro que a situação do ex-presidente Lula se complicou de vez que evidências cada vez mais comprometedoras apontavam em direção ao ele e a membros de sua família como envolvidos em práticas de lavagem de dinheiro e em outros indícios de supostas práticas ilícitas advindas de dinheiro da Petrobrás.
     A Operação Lava Jato, ademais, segundo se tem noticiado nas diversas mídias, tem alavancado um conjunto de denúncias de desvios do dinheiro público provenientes de transações contratuais fraudulentas regadas a propinas entre o governo federal e grandes empresas brasileiras, como a Oderbrecht, a AOL, a Camargo Correa, entre outras, fatos esses ocorridos desde os mandatos de Lula e continuados no governo Dilma.
   As diligências levadas a cabo pela Polícia Federal têm sido de extraordinária importância na condução das etapas da Operação Lava Jato culminando com a mais recente, denominada de Aletheia, colocando a situação do ex-presidente Lula numa saia justa ao ponto de ter sido conduzido coercitivamente a depor na delegacia da Polícia Federal.
   Após ter dado seu depoimento, o ex-presidente, em fala à imprensa, mostrou-se profundamente enfraquecido, dando claros sinais de apavoramento e de alguém que foi colhido em flagrante delito. Sua fala não convenceu a quem o ouviu. A voz estava frágil, a  fisionomia abalada. Dir-se-ia até que o medo nele se plantou à flor da pele. Talvez esse seja o início de seu ocaso político, dele não restando mais nenhuma altivez diante de tantas denúncias e delações de empresários, por último, das declarações do senador Delcídio do Amaral ex-líder do governo Dilma, que seguramente o deixarão traumatizado para sempre. O véu da fantasia lhe foi retirado pela força da Lei. Dificilmente, creio, depois dessa experiência constrangedora, que o populista Lula terá mais algum gesto de maior destemor ante o vexame de ser levado a prestar esclarecimentos sobre falcatruas gravíssimas que lhe pesam sobre os ombros.

     Veio até tarde - enfatizo - esse passo da Justiça sobre denúncias de malversações que há tanto tempo vêm sendo feitas por grande jornalistas e pela imprensa em geral. Desta vez, não pôde escapar do interrogatório  ao qual só respondeu  com evasivas sobre desonestidade praticadas durante seus mandatos ao afirmar que nada sabia dos escabrosos males vindo a público e de seguidas desídias financeiras já investigadas há tanto tempo. O mito do grande líder dos pobres é uma pálida e melancólica página virada da História da política brasileira dos últimos tempos. O outra lado de prestação de contas ao Ministério Público cabe ao periclitante destino da governante atual - uma espada de Dâmocles sobre a cabeça de Dona Dilma..