POR SYLVIA COLOMBO

 

O escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986)

Um dos temas que sempre move paixões nas discussões sobre o papel das letras latino-americanas no planeta é a misteriosa razão pela qual o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) nunca recebeu o prêmio Nobel.

O próprio Borges fazia piadas com a questão. Em 1979, disse: “Não entregar-me o prêmio Nobel virou já uma antiga tradição escandinava. Cada ano me dizem que estou sendo cotado, e sempre dão o prêmio a outro. É uma espécie de rito.”

A abertura de arquivos da Academia Sueca, nesta semana, oferece algumas indicações sobre o porquê de o argentino nunca ter sido premiado, apesar do reconhecimento internacional de sua obra. Estes mostram, entre outras coisas, que 1967 foi o ano em que o prêmio esteve mais perto de ser dado ao autor de “Ficções”. Porém, na última discussão entre os membros do comitê, acabou predominando o nome do guatemalteco Miguel Ángel Asturias (1899-1974), autor do magistral “El Señor Presidente” (1946), ainda atual retrato do poder na América Latina.

Neste mesmo ano, ficou registrado que o presidente do comitê, Anders Osterling, teria recusado o prêmio a Borges porque este era “demasiado exclusivo e artificial em sua engenhosa arte em miniatura”. Uma explicação estranha, que não se entende bem se é um elogio ou uma crítica.

Embora sempre se tenha especulado que as razões para que Borges não recebesse o prêmio tinham mais a ver com suas posições políticas conservadoras do que com a literatura, agora, com os documentos recém-abertos pela Academia Sueca, vem a confirmação. Os papéis fazem referência, de modo negativo, ao fato de Borges ter visitado o Chile em 1976, no meio do regime militar (1973-1990), onde recebeu das mãos do general Pinochet um título de honoris causa da Universidad de Chile. Na ocasião, Borges ouviu e agradeceu os elogios feitos pelo ditador. Mais, em seu discurso, fez um elogio ao que ocorria no país: “Nesta época de anarquia, sei que aqui, entre a Cordilheira e o mar, há uma pátria forte”.

Também ficam claras as diferenças pessoais que ele tinha com o poeta sueco Artur Lundkvist (1906-1991), a quem havia criticado duramente pela qualidade de sua obra, e que depois passou a integrar o comitê que determinava para quem ia o prêmio a cada ano. Os documentos recém disponibilizados mostram que Lundkvist teria, sim, guardado rancores. E, numa das avaliações da obra de Borges, teria dito que: “A sociedade sueca não pode premiar alguém com esses antecedentes”, fazendo referência à ida ao Chile e à simpatia que o autor, um declarado anti-peronista, tinha demonstrado com relação aos generais da ditadura militar argentina (1976-1983), ainda que apenas ao princípio deste período.

Um pouco de viés político, outro tanto de disputa de vaidades do meio literário, por ora, parecem ser as razões mais plausíveis para a absurda não-premiação de um dos principais autores da história da literatura mundial. Os documentos revelados queimam um pouco o filme da Academia Sueca, já que não terá sido a primeira vez que, em vez de olharem para a literatura, seus membros avaliaram posições políticas e atitudes dos autores antes de escolher um premiado.