POEMITOS DA PARNAÍBA
Por Elmar Carvalho Em: 07/04/2020, às 05H12
POEMITOS DA PARNAÍBA
Texto: Elmar Carvalho
Charges: Gervásio Castro
1. Alain Delon
Situava-se entre o feio e o horrível
mas se dizia BG: bonito e gostoso.
Metido a conquistador de mulheres
conseguia o inverso efeito:
as mulheres – lebres assustadas –
de Alain Delon fugiam.
Se Alain Delon muito fosse
Alain Delonge seria.
2. Derocy
Derocy, Ofélia da Parnaíba,
não era um orador oral:
era um orador boçal
em seus discursos bestialógicos,
ilógicos, escatológicos. Tirava
do sério o homem sério quando
disparava seus disparates.
3. Meio-Quilo
Se bem pesado não dava
sequer meio-quilo. Pai de
Cotinha, mulher bonita e
namoradeira nos escuros
do velho Cine-Teatro Éden – paraíso
de estripulias estrambóticas e eróticas.
O pequenino Meio-Quilo, de lanterna em
punho, a roubar Cotinha dos braços
do namorado, era um filme
à parte.
4. Alarico da Cunha
Poeta. Espírita. Espírito
da carne e do osso, a roer
o osso duro do ofício de poetar.
Quixótico, exótico: misto de poeta
e de espírita. Via espíritos no
ar. Nunca estava sozinho:
quando a poesia lhe faltava
os espíritos surgiam e
se insurgiam contra a solidão.
Cavalheiro de fino trato:
tirava o chapéu para os
espíritos que só ele via.
5. Lobaia
Animal trípede da
família dos primatas.
Animal não monstruoso:
animal mastruoso.
Pé de mesa mais famoso
da Parnaíba, Lobaia
só cavalgava cobaia,
em única experiência,
através da armadilha
das lâmpadas apagadas.
6. Parassi
Vai bola com Parassi.
Parassi pára. Parassi para
Moacir. Era o velho
Parnaíba de Parassi,
Irmãos & Futebol Clube.
Hoje é apenas Parnaíba Clube.
7. Mestre Ageu
Mestre Ageu
mago das artes escultóricas,
novo rei Midas do antigo mito
a transformar em estátuas
troncos toscos de madeira
com os toques de suas mãos.
Mestre Ageu
Pigmalião dos mágicos toques
faz mais uma escultura:
ninguém se espantaria
se ela gesticulando
lhe desse “bom dia”.
Mestre Ageu
de arte tão exata
que lhe força fabricar
o seu cinzel de cortar.
Mestre Ageu
em sua agrura
agora chora ora e deplora
afagando/abraçando/agarrando
a escultura, sua cria/tura:
o compra/dor a veio buscar.
8. Simplição
Não o Dias da Silva,
mas o Long John da Parnaíba,
o terror da mulherada,
pé de cana e pé de mesa,
concorrente de jumento e garanhão.
Só pegava mulher novata,
desconhecedora da fama de seu
alopramento descomunal.
A cama se transformava
no altar do sacrifício da mundana,
segura a pulso como uma potra bravia.
Processado pela noiva descartada
após quarenta anos de noivado.
(A noiva não sabe a sina
de que terá escapado.)
9. Xigau
Assim como há
o espírito de porco
o espírito de gato há.
Xigaaaau... Xigaaaaaau...
Não articulava palavras,
apenas miados e miados
e a semiótica linguagem
de seus gestos de gato.
10. Jibóia
Trazia a lembrança viva
de um passado morto e sepulto
dos Bailes Azuis e do
burburinho dos porcos d’água
e das meretrizes do cais.
Reinava na boite Rio-Chic
e desfilava pelo grande salão
cheio de espelhos e de sonhos
e de risadas esparsas
como num reino encantado.
A imagem de Jibóia morta
reproduzia-se pelos quatro
cantos do salão através das
pupilas perplexas dos espelhos.
(As velas do velório
lágrimas de cera choravam,
enquanto as mulheres, entre soluços,
rezavam contritas.)