POEMA DO RIO NEGRO, 2

(Na foto, Ananda, último barco de Albert Samuel citado no terceiro verso)

Rogel Samuel

Seguimos até o celismar
na nossa sincopada batida
de Ananda bois espiam margens
crianças olham ocorridas
gritam cios cicios curumins
passarinhada menina
a cunhantã levantou voo?
o curumim mergulhou? o rio urubu prossegue
marcha fúnebre ritual líquido da corte
onde um dia, nesta tarde
meu pai não me deixou mergulhar
como se ali o rio pudesse
para sempre me tragar
quantos olhos aparecem? quantos ameaçam?
na leveza do anum canarana
a criança de longe a vista
o rapaz nu ri ou está chorando?
o sol se põe naquela tarde
densíssima de calor e escudo
e escuro e orgulho o rio negro
fecha suas portas
sobe para o céu suas veias iluminadas e nervuras
acesas
a lá estão os milhares índios mortos
ranger de dentes
do rio chamado urubu
sons percorrem com suas luvas pretas
as exclusividades das belezas sombrias
urubu o rio range dorme cemitério norte
risca fio alertado brilho fantasma
sobretudo preto urubu balança e nos ameaça
nos quer no seu túmulo histórico
amazônico emparedado dos matagais gerais
alta e terrível a floresta
transforma as corridas as amas úmidas amantes
rio doente para sempre
que desde o município de silves
está pronto para ejetar seus encapuzados enlevos
e inocular a morte
como as suas aranhas