Escondida em um canto, ela apenas respirava.
Escondida em um canto, ela apenas respirava.

 A única coisa que faz com que a gente mova os pés é a esperança de que ao morrer nos levem de um lugar a outro; mas quando fecham para a gente uma porta e a que continua aberta é só a do inferno, mais valeria não ter nascido...

Juan Rulfo

[Margarete Hülsendeger]

I.

Escondida em um canto, ela apenas respirava.

O cabelo loiro estava sujo. A roupa, que um dia havia sido nova, estava imunda.

Os pés descalços moviam-se inquietos, tentando agarrar a arreia no chão. Ela não via a casa ou as pessoas. Não ouvia as vozes. Em torno dela apenas escuridão e medo.

Com um movimento nervoso da mão esquerda ela limpava a sujeira que escorria do nariz. Na boca, o dedão da mão direita era sugado sem parar. Depois de tantas noites sozinha naquele lugar ela já havia se acostumado com o calor, mas o hábito de chupar o dedo permanecia. Confusa, com medo e fome ela só pensava na mãe.

Assustada, encolheu-se ainda mais no canto escuro. Ela ansiava pelo abraço da mãe, o cheiro, o beijo molhado e barulhento. Lágrimas grosas começaram a escorrer pelo rosto. Os soluços ela abafou, não queria ser ouvida. As sombras lhe davam medo.

As sombras.

Em silêncio ela gritava, mas nenhum som escapava da sua boca.

De repente, um murmúrio. Depois um ponto de luz. Assustada, quis correr, mas não conseguiu. Nunca tinha visto luz naquele lugar, sempre havia sido a escuridão e as sombras.

Tirou o dedo da boca e abriu bem os olhos. Sim, havia uma luz e ela ficava cada vez mais forte. Os murmúrios deixaram de ser apenas murmúrios e se tornaram palavras:

Vem... Não... medo... Vem... Vem.

Da posição agachada foi levantando devagar, olhando para os lados com medo de ver as sombras saírem da escuridão. Elas estavam ali, podia senti-las, mas por algum motivo elas não se aproximavam.

Em pé, ela viu emergir da luz uma pessoa. Apavorada, pensando que fosse uma armadilha, moveu-se buscando um caminho de fuga. Um grito de terror começou a se formar em sua mente. Precisava fugir. Foi quando, de novo, ouviu as palavras vindo da luz-pessoa:

Não foge, por favor. Vem. É só estender a mão. Não tenha medo. Vem, por favor.

Com um último olhar para a luz, deu meia volta e correu. Conforme a distância aumentava a luz se desvanecia e a escuridão retornava. E com ela as sombras.

 

II

Cansada de existir, ela parou de respirar. Ansiava pela não existência e quando acreditou que apenas o vazio a esperava se entregou, sem reservas, a ele.

Passado um tempo, que ela não soube contar, sentiu quando pensou que não mais sentiria.

Primeiro a luz. Em seguida a dor. Abriu a boca para gritar. Silêncio. Seus gritos não tinham som e a dor não podia escapar.

A escuridão a envolvia e o tempo deixou de existir. Consumia-se. Queimava-se. A dor era a única presença em sua não existência.

Um dia, um ano, um século, um milênio depois a dor desapareceu ficando apenas a escuridão. Não sabia dizer se era noite ou dia, mas agora isso não mais importava, pois a dor, finalmente, se fora.

Com a ausência da dor, no entanto, vieram as sombras e com elas a escuridão.

Enroscou-se em um canto e esperou.