Pequena bateria de poema de Tufic

  

Vênus


Dá-me, Apeles, o sangue dos teus dedos 
e as cores deste mar, espuma ardente 
em que Vênus ressoa e se reparte 
entre deuses e bichos, céus e terras, 
para que a louve, prostituta imensa 
feita de orgasmo e sol. Pombos e cisnes 
a conduzem nos braços da Volúpia 
onde ela exerce, pleno, o seu domínio. 
Mas, de repente, queda-se cativa 
de um mortal como Adônis. Tão completa 
me parece esta deusa que seu brilho 
tem, sobre nós, a calma perspectiva 
de uma fúria saciada: um simples nome 
que a eternidade rútila consome.

 

Restinga's Bar



Sou tão frágil, meu bem, que um som, de leve 
pode ser-me fatal como o teu beijo: 
qualquer música brega, qualquer frase 
pode ser-me fatal. E, assim, não deve 
a brisa andar tão próxima à tormenta, 
como não deve o ritmo da valsa 
transformar-se em punhais; a vida é breve 
e aquilo que é demais logo arrebenta. 
Sou tão frágil, meu bem, que nada pode 
separar-me de ti. Teu nome é um sonho 
que navega em meu sonho. Tenho pena 
de tudo, algo me aflige e me sacode. 
Desliga esse Gardel, bota um canário 
em vez do som, da voz que me condena.

 


 

 

Voragem


Rostos que nunca vi, jacintos murchos 
cujas sonatas frias me tocaram, 
estes rostos não quero: eles são breves 
no desfile das pálpebras cerradas. 
Penso naqueles outros, familiares 
rostos de toda a vida. Cataventos 
da rua ainda sem nome, alagadiço 
porão da infância, arpejos e trigais, 
dai-me a ver novamente ou mesmo em sonho, 
estes semblantes nunca repetidos, 
graves alguns, mas todos inseridos 
na memória dos dias voluntários. 
Cemitério, talvez, dessas lembranças, 
todas, em mim, são rosas e crianças.

 

 

 Soneto arqueológico


Babilônio sutil, meu queixo fino 
sobrevive às catástrofes; num vaso 
posto a secar, meus olhos comparecem 
entre os botões da noite milenária. 

Sombras do Tigre, mágicas do Eufrates, 
algo resta de nós. E disto apenas 
tudo volta a crescer, tudo se extingue 
feito o barro dos códigos severos. 

Quem me decifra além dessas batalhas? 
Quem me vê nos coleios da serpente? 
Quem me furta do sono e me atropela? 

Babilônio sutil, no auge da messe 
cozinho para os reis pedras e telhas. 
Nas horas vagas sou pastor de ovelhas.

 


 

 

Para L. Beethoven



Meu corpo entrego ao teu silêncio de água, 
aos arcos de tua música pairante, 
onde as vozes da terra, no seu pasto 
de nuvens, resplandecem como lágrimas. 


Não sinto mais feridas nem abalos. 
Meu sangue jorra lento dos violinos. 
E uma luz crucifica-me nos ares 
de chuva, por tuas rosas lapidados. 



Estas rosas que alteram nosso dia, 
e abrem na tarde a súplica dos dedos 
que se libertam, pássaros, do barro. 



E tocam, com sua forma torturada, 
a flor do azul contida e descontida 
neste adágio de pedra e de luar.

 

 
 

Destino



Um tear 
e uma aranha 
ponteiam meu destino. 
Quando o tear se esgota, 
a aranha pega o fio 
e sobe. 


A leitura deste signo 
gasta-me o zodíaco.

 

 

Sistema


O desenho de uma estrela 
quantifica o papel 
deslumbra o vazio. 


A simplicidade 
equaciona o absurdo.