[Paulo Ghiraldelli Jr]

Uma das mais bem sucedidas fábricas de pessoas incapazes de reflexão é aquela construída no casamento da pedagogia com o marxismo. Não necessariamente, mas, historicamente, é isso que vemos. A garota entra na universidade e logo absorve a idéia de que o objetivo do curso de pedagogia é formular um discurso exclusivamente normativo. Há de se descobrir a “fórmula para o ensino funcionar”, já que, no Brasil (dizem), ele não funciona. Mas, a garota aprende também, graças a alguns de seus professores que se auto-denominam “críticos” e, às vezes, marxistas, que essa norma, que deve ser colocada em prática, não poderá vingar. O “sistema” (!) não funciona para tal, isto é, o “capitalismo” e o “poder” não deixarão vingar nenhuma educação capaz de “desalienar o povo”.

Eis aí a aliança entre pedagogia e marxismo, na tal desanimadora fábrica produtora da irreflexão. É claro que essa pedagogia e esse marxismo podem ser melhorados. Mas, mesmo que ganhem alguma sofisticação, em geral tenderão a expor essa mesma conversa. Criou-se nos cursos de pedagogia esse senso comum que se entende como crítico. E as aluninhas que repetem os jargões e clichês dessa fábrica logo ganham bolsa de estudos e, depois, são facilmente encaminhadas para o mestrado.  Na graduação, alimentam as palestras de ENEPs da vida. Na pós-graduação, mudam pouco, e vão produzir peças de mestrado impossíveis de serem lidas, porque mal escritas, mas também porque toda essa parafernália de um discurso terceiro-mundista, agora mais deteriorado do que nunca, será o conteúdo de seus escritos. Nos anos oitenta esse discurso era ruim. Nos anos noventa já ninguém mais o suportava. Agora, ele parece piada. No entanto, ainda há grupos que se imaginam sérios porque giram em torno disso. Não conseguem ter a mínima noção que não podem mais ser avaliados como fracos, pois não são fracos, são completamente fora de órbita.

Pessoas assim não conseguem notar que a palavra “sistema”, no filme “Tropa de Elite”, era uma gozação dos que produziram o filme. Não! Essa pessoas realmente acreditam que o Capitão Nascimento está contando para a população que o “sistema” … ora, que “o sistema é foda!”. Pessoas assim imaginam que sabem o que significa mais-valia, e que ela “precisa ser extirpada” para que exista pedagogia! Pessoas assim escutam seus professores na graduação e na pós-graduação, ou seja, aqueles que reproduzem esses discursos estapafúrdios, e se matam para ver uma conferência do Dermeval Saviani em algum encontro de educação. Não estou dizendo aqui que Saviani e seu grupo não digam coisa útil. Estou dizendo que talvez essas pessoas, essas alunas, estejam procurando nele não o que ele possa falar de útil, mas apenas o que ele ainda possa reiterar, aqui e ali, de simplesmente doutrinário e inútil. Afinal, sobrou para ele a pior platéia – exatamente aqueles que não viram e nem ficaram sabendo das crises do marxismo. Ou que, por conta de professores malucos, não acreditaram como o comunismo ruiu pelas suas próprias pernas e crimes.

Assim, essa garota da pedagogia, que se imagina “crítica” e de “esquerda”, tomada como a “aluna inteligente” do curso, é exatamente aquilo que os próprios marxistas, e talvez até o Saviani, tomavam nos anos oitenta como o restolho de partidos estalinistas. Hoje, em algumas universidades, surge como o supra-sumo do curso de pedagogia, quando ele é dito “crítico”. Fomos invadidos pela barbárie e esta se alojou justamente nos cantões que diziam que a barbárie pertencia aos liberais. Uma garota dessas, junto com a sua professora “crítica” ou o seu professor “crítico”, na graduação ou na pós, sabe falar duas palavras, que ela absorve como vindo do capeta: “neoliberalismo” e “globalização”. Não consegue explicar nenhuma delas. Seus mestres também não. Mas o importante é repetir. Tais pessoas adotam um comportamento igualzinho o da linha carismática da Igreja Católica, representada pelo Padre Marcelo: repetir e repetir – eis o segredo da fé e da salvação.

Para essas pessoas, não há nenhuma literatura no curso de pedagogia. As matérias, todas elas, se resumem a um texto só: o artigo do Libâneo sobre tendências pedagógicas. Isso é dado em Didática, Filosofia da Educação, Sociologia da Educação, Filosofia da Educação Brasileira etc. Todas as matérias. Quando se sai disso, e pegam então aqui e ali um Paulo Freire e um Edgar Morin, mas não para lê-los e, sim, para subsumir uma ou outra frase deles no esquema do “marxismo pedagógico”. Dependendo do lugar, há modas regionais (no Rio, Deleuze ou Foucault!), mas isso não muda nada, pois também são absorvidas pela garota da pedagogia, e seus professores e professoras “críticos”, no mesmo diapasão.

Enquanto isso, o mundo da educação das escolas públicas e particulares do Brasil, segue de mal a pior. Mas isso não interessa para a garota que, enfim, logo já estará no mestrado, podendo reiterar de novos esses jargões todos. E podendo então, com o título de mestre nas mãos, cruzar conosco nos corredores e nos explicar como é que a educação vai de mal a pior no Brasil, e como será necessário “mobilização” para mudar as coisas.

Paulo Ghiraldelli Jr. 54, filósofo, escritor e professor da UFRRJ