Colega de liça, cavaleiro-poeta, inédito
Dividido entre o magistério público e privado, tu
Passaste pela vida entre a sutileza de teus chistes
E a fatuidade do dia-a-dia das obrigações chãs da
Sobrevivência e do dever de homem,
De pai, de marido e de companheiro.
Na travessia da vida, não conseguiste realizar-te
Plenamente, tu que me disseste estar sonhando e
Antegozando o prazer da aposentadoria
Bem aproveitada na alegria do mar e da pesca,
Livre finalmente de tudo, de todas essas
Amarras da vida, do burocratismo, das
Injustiças de toda sorte, do país em estado
Sempre de ignominiosa instabilidade.
Tua figura aristocrática, andando, por dever do ofício, pelo Largo da Penha Teu porte grande e Bonachão, Pablito el bonitón,
Parecendo estar sempre pronto a definir a vida com uma piada
Num certeiro tiro de humor carioca e brincalhão.
Amigo inseparável do cigarro, fluminense doente, amigo das
Boas coisas da vida, eras, no fundo, uma alma de poeta-boêmio do amor e dos bons papos.
Tuas alunas te respeitavam. Eras solene. Tu te impunhas ao respeito delas E eras todo sorrisos Para elas. Tuas aulas, sempre apreciadas pelo teu apuro, pela seriedade, pelo formalismo Cênico.
Eras cortejado, talvez pela tua aparência fidalga, teus olhos verdes, tua pele clara, teu físico Arredondado de burguês, de bom burguês marioandradiano.
(“È preciso, Cunha, fingir que somos duros se quiseres ter o respeito deles” - me confidenciava, Em tom professoral, um dia quando trabalhamos numa escola da Penha.)
Ouvi, certa vez, na escola, um teu discurso de paraninfo.
(eras quase sempre o paraninfo das normalistas)
Nele pude perceber que a tua oratória era toda feita de rosas à Poesia, pois nela falava, agora, o Esteta, o professor de língua portuguesa e de literatura.
Tudo na tua oratória eram pensamentos permeados de romantismos,
De docilidades e de desejos de atingir o auditório naquilo que ele tem de mais vulnerável: o Sentimento da afetividade, sobretudo em noite solene, iluminada, de despedida e da alegria de Fim de curso. .
Não foste, porém – como era teu desejo maior -, para o regaço da praia, do mar e da pesca.
(alguns dias antes da tua partida, te vi passando em direção ao BANERJ, no Largo da Penha. Antes que eu falasse algo, tu me adiantaste: “-Vou entrar na faca”.)
Foi o último enunciado que de ti ouvi. Poucos dias depois, soube, por
Amigos que partiras. Após a cirurgia, sentado ao lado de tua amada
Do quarto do hospital, com ela e, possivelmente, com a tua única filha mocinha, falavas ainda Lúcido.
(É bem possível que ainda nutrias esperança de sobrevida e de sonhos: o mar, a brisa, o sol, a Pesca, a aposentadoria...)
Abraçado ao teu amor, conversando, tu estavas te despedindo até o último sopro de vida.
Foste, para sempre, encontrar-te com as Musas lá no Alto.
Deixaste entre nós novamente a certeza de que somos mortais,
Seres, porém,  destinados ao Infinito.


*Nota do autor: texto inédito ligeiramente modificado