Pátrias divididas
Por Cunha e Silva Filho Em: 28/09/2021, às 21H54
Pátrias divididas
Cunha e Silva Filho
O exemplo da Ucrânia, com a anexação da Crimeia à Rússia, é mais um exemplo histórico de que um pais, um povo se acha dividido. O incidente não é fortuito. Sãos múltiplos os exemplos de separações, por sangrentas guerras civis, caso dos Estados Unidos, cujo exemplo maior foi a Guerra da Secessão(1861-1865) entre estados do Norte e do Sul.
Por desagregações dos povos por motivos de imperialismo e colonização de estados mais belicamente poderosos, como foram os do Império Romano, senhor todo poderoso de parte do mundo antigo ,as conquistas de Alexandre Grande, as invasões napoleônicas, a tentativa nazi-fascista de Hitler na Segunda Guerra Mundial, cuja seqüela mais aviltante foi o Holocausto ainda hoje negado por energúmenos de todos os quadrantes.
Outros ainda por razões ideológicas, linguísticas ou religiosas foram fundamentos desencadeadores de separações, anexações manu militari, e que são feridas não totalmente cicatrizadas a divisão da Alemanha, do Coreia, do Vietnam.
No cerne de todas essas tormentas está a mente deformada ou a cupidez dos homens, sempre nos surpreendendo com decisões que, tomadas, vão prejudicar povos , nações no mundo inteiro.
Preocupa-me, agora, o exemplo da Crimeia, preocupa-me também a situação político-econômica de Portugal, assim como de algumas regiões da África, da Venezuela.
Imagine-se se não fossem os organismos de paz e de mediação de que ainda dispomos que, bem ou mal, conseguem algumas pequenas vitórias entre nações que teimam em permanecer em eterno estado de tensões ou iminências bélicas, fratricidas ou não, por razões várias e sobretudo econômicas, políticas e hegemônicas.
Como está visto, este mal tendente ao confronto ou a provocações, caso da Coreia do Norte, parece não ter fim, assim como outros males internos de nações que, sozinhas, não chegam a acordos de paz no sentido mais geral do termo. Memso no campo cultural, da criação literária, nações como Cuba, China e até a Rússia atual, ainda não vêem com bons olhos os escritores que, na literatura focalizam ângulos sociais e condições de vida de seus povos que não se alinham pela cartilhas do que o dictatat inquisitorial impõe seu dedo de censura.
Ora, a literatura é uma arte, a da palavra , que, para ser originalmente criadora, precisa de respirar ares de liberdade. Por mais que alguém possa subestimar o caráter social ou político de uma obra literária, a própria estrutura narrativa já embute esse componente sem o qual a literatura seria mera abstração de um significante carente de uma significado.
Numa entrevista concedida por telefone, de Nova Iorque, ao jornalista Leonardo Cazes do Prosa &Verso (jornal O Globo, p. 2-3) de ontem, 19 de abril, a ensaísta americana, de origem turca, Elif Batuman, especialista em literatura russa, e ela mesma também ficcionista, faz um comentário que, nem por ser assim tão original, é bom de se ouvir de um intelectual: “A literatura é uma forma de compreender as complexidades de um país. É uma maneira de enxergar as suas contradições, independentemente do valor que uma nação dê à literatura.”
Na mesma entrevista a ensaísta comenta sobre a situação política da Rússia e da Turquia atual, sobretudo dos seus respectivos líderes, Putin e Erdogan, que, para ela, são dois líderes “controversos”, os quais têm “em comum,” segundo ela, sedução do nacionalismo. Ainda acrescenta ela, os dois são “autocráticos”, têm apoio popular e alimentam “ antigas glórias imperiais”. É, portanto, sintomático o recente episódio de tropas russas na Crimeia seguidas de anexação à Rússia.
Por falar em apoio popular a governos fortes, autoritários explicita ou implicitamente e, ademais, com autoritarismos setorizados que se alastram por certos governos estaduais e municipais, essa realidade que se pode perceber até entre nós, tem uma dimensão de risco a uma democracia verdadeira.
Vejo como oportuna a conclusão que o crítico inglês Terrry Eagleton faz sobre o estágio atual da crítica literária e suas aporias, tendo por premissa aquele entendimento a que aludi acima sobre a estrutura da obra literária:”A crítica moderna teve origem na luta contra o estado absolutista; a menos que seu futuro não se defina como uma luta contra o estado burguês, seria bem possível que nenhum futuro tenha pela frente.” O(The function of criticism – from the Specator to Post-Structuralism. London: Verso Editions and NLB, 1984, p.124).
Uma nação nunca foi nem tampouco seria um mar de rosa ideologicamente falando. Nelas existem continuamente tensões, internas na estrutura do poder e lá fora, entre o povo, nas suas várias classes sociais, nos seus diversos interesse pessoais, cada qual parecendo ser, aos olhos de um observador, um vulcão adormecido que, ainda que dure por muito tempo, pode, um dia, entrar em atividade.
As nações são, por conseguinte, aparentemente unidas, mas não o são sob condições adversas de conflitos e manipulações das forças do poder dominante e do poder na expectativa de domínio. É nessa ciranda, sob corda bamba, que vivem as nações precariamente.
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