Depois que começou a ficar difícil enxergar livro ou texto que lia; triste porque as dores da pelada do sábado somente eram esquecidas a partir da quinta-feira seguinte, outras duras constatações passaram a ser observadas.

                Percebi que o processo de envelhecimento cronológico nem sempre coincide com o de decadência física, mental ou psicológica; esta pode desabar sobre nossas costas antes ou após aquele.

                Constatei quão enganosa é a qualidade da acuidade visual que imaginávamos ter, ao deixamos de ser jovens. Até ontem, admitia, sem trauma, a perda de eficiência ocular para a visão próxima, a de leitura; mas, quanto à de longa distância, vangloriava-me de continuar com olhos de lince. Tolice: estava sendo apenas mentiroso, vaidoso ou me portando como um  tolo egoísta. Quanta decepção, quando o jovem me relacionou, pormenorizadamente, os detalhes de um objeto localizado a quinze metros de nós, que lhe pedi para olhar e descrever, e que eu somente os vi estando a uns cinco metros do mesmo.

                A propósito, nem sempre quando somos bem tratados pelos jovens, isso se deve à nossa inata simpatia; mesmo antipáticos, a garotada nos respeita pelo fato de sermos velhos; pelo menos, mais que eles.

                A chegada da velhice me permitiu observar a mudança em uma das regras de convivência social entre velhos e jovens: antes, eles nos deixavam sozinhos para se juntarem a seus pares, em outros espaços; hoje, até ficam conosco nos mesmos ambientes, mas preferem dialogar com a turma por  meio de tecnologias móveis, portáteis: celulares, tablets...

Percebi, também, que em determinadas situações ou ocasiões, a relação paciência-tempo do velho e do jovem é dicotômica. No caso do idoso, que, em teoria, já não dispõe de todo o tempo do mundo, a paciência, ao que parece, é proporcional à experiência existencial, à vivência; por isso, é comum observá-lo bem tranquilo em momentos de grande estresse ou apreensão, como se nada estivesse acontecendo com ele. Em condições semelhantes, não é incomum nem raro, ver-se o jovem - que talvez pudesse deixar o tempo, teoricamente, um aliado mais duradouro, cuidar dos problemas que o estressam ou afligem - impaciente, intranquilo, irritado.

                Por outro lado, parece prova ou evidência de que estamos envelhecendo, percebermos que nossa paciência em relação à mera contestação quanto a conceitos ou posicionamentos que defendemos, não é mais a mesma. Dia desses, lendo não sei onde, entrevista de um culto e midiático cidadão brasileiro, fiquei deveras impaciente, quando, em resposta ao entrevistador que quis saber se, mesmo tendo passado por transtornos existenciais sérios, em algum momento ele questionara seu ateísmo, o sujeito meteu-se a filosofar dizendo que ser ateu não é ato ou fato voluntário, algo que esteja sob nosso domínio intelectual; que não se trata de opção ou vocação. Seria uma herança genética? Complementou a informação comparando o ateísmo com o homossexualismo: não se é ateu para não ser religioso; do mesmo modo que ninguém é homossexual porque acha bonito sê-lo. Afirmou que as pessoas mais generosas que conhecia eram ateias. Sobre a religião católica, acrescentou, preconceituosamente, que ela é criminosa por pregar o não uso da camisinha. Irritou-me sua hipocrisia. Ele sabe ou deveria saber que aquela igreja não admite a camisinha nem o aborto, dentre outras coisas, pelo mesmo motivo: dogma. Para ela, o sexo não deve ser mero objeto de prazer, sua função é permitir a procriação e a perpetuação da espécie. Crer ou não crer, eis a questão. Parodiando-o: ninguém é religioso para não ser ateu, mas por uma questão de fé.

                Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal ([email protected])