OUTRA TRAGÉDIA ANUNCIADA: PETRÓPOLIS
Por Cunha e Silva Filho Em: 16/02/2022, às 15H45
OUTRA TRAGÉDIA ANUNCIADA: PETRÓPOLIS
CUNHA E SILVA FILHO
Não é a primeira vez e, infelizmente, não será última que essa belíssima cidade sofre a fúria predatória das águas inclementes Um tromba d’água a atingiu em cheio ontem e deixou um elevado saldo de mortos considerável: sessenta e seis pessoas contabilizadas até agora.
É uma bela cidade serrana de Petrópolis, com seu ar encantador de cidade aristocrática, com traços de uma cidade europeia, que foi residência de verão do imperador Dom Pedro II, com bom clima, tranquila, lugar de turismo, assim como também de espaço de comércio popular muito conhecido como o da Rua Teresa. Lá fui, tempos atrás, várias vezes com a minha esposa. Fiz até algumas amizades com moradores dessa cidade cativanante e graciosa. Um deles foi um estudioso de lexicografia, professor de línguas, homem culto, possuidor de uma invejável biblioteca. Chegou a publicar um volumoso dicionário de masculinos e femininos editado pela Livraria Freitas Bastos. Morava em frente do velho e conhecido Hotel Quitandinha. No meu livro As ideias no tempo, dedico um capítulo falando, en passant, da riqueza e do alto valor de obras filológicas e lexicográficas que encontrei na mencionada biblioteca do ilustre dicionarista.
Cidade em que já residiram figuras importantes da vida cultural brasileira como o grande crítico Tristão de Athayde, Santos Dumont, se não me engano, também Rui Barbosa e outras figuras eminentes do pais, tem sofrido perdas inestimáveis de vidas e de várias construções residenciais. A paisagem petropolitana é bela e o céu, muitas vezes, fica límpido, outras vezes, carregado e é justamente neste segundo caso, que podem ocorrer as chuvas torrenciais que valem por um mês e duram, em horas, o que seria esperado num só mês. As águas, com correntes caudalosas, enfurecidas, levam de roldão tudo que encontram pela frente.
A força das águas apavora os moradores e causam estragos materiais sem precedentes, contados aos milhões em dinheiro perdido. Este act of God, pois, vira uma tragédia de sofrimento, de desesperos e de gritos seguidos de imagens horrendas de pessoas sendo carregadas pelas torrentes de águas assassinas.
Os morros circundantes, logo encharcados, vão minando por dentro o barro, provocando, com isso o deslizamento das partes montanhosas que se abatem com torrentes ávidas de destruir tudo ao redor, encostas abaixo impotentes diante da ferocidade das águas. As águas, no centro da cidade, logo se transformam como se fossem rios transbordando de suas margens com uma força descomunal penetrando nas lojas, nas casas, nos prédios, nos esgotos já exauridos trazendo pavor e sofrimento, mas principalmente o desespero de pessoas que perderam seus entes queridos sepultados por casas destroçadas por toneladas de barro ou levados pelas força da enxurrada.
Seus habitantes, seus visitantes, seus turistas e, em grande maioria, seus moradores mais humildes e, portanto, mais vulneráveis, sãao asmaiores vdítmas, sobretudo, porque moram junto a rampas ou ribanceiras de terreno montanhoso e não rochoso, com a potência das águas, entram em profundo desespero, sem saber o que fazer diante da fatalidade da Natureza.
É óbvio que as tragédias naturais que assolam o planeta Terra não são apenas provocadas pela Natureza em si, mas têm implicações sérias e perturbadoras do protagonismo do espírito predador do homem em suas convivência com os acidentes geográficos e com a persistente aumento do efeito-estufa - causador principal das mudanças climáticas em nosso já devastado planeta. As tragédias das enchentes em nosso país se devem, em grande parte, a dois fatores vitais: 1) a falta de planejamento urbano de nossas cidades, sobretudo aquelas de terreno montanhoso, onde construções frágeis são realizadas ao arrepio de práticas de uma governança responsável; 2) a questão fundamental da preservação de nosso meio-ambiente, notadamente a proteção, a todo custo, das nossas florestas, tendo à frente a região amazônica, patrimônio do mundo.
Se ferirmos de morte os nossos “pulmões do mundo,” a nossa Hileia Brasileira, tanto seremos afetados, sem dó nem piedade, pelas reações imprevisíveis de uma Natureza maltratada pelas mãos desastradas dos homens maus, impatriotas e ávidos por lucros (traduza-se: governos e políticos), prejudicando cada vez mais aqui o epicentro da preservação do meio-ambiente do país, quanto na diminuição tanto quanto possível, nunca demasiado do citado efeito-estufa, da ausência de cuidados rigorosos com a Amazônia e, last but not least, com a proibição rigorosa e fiscalização reforçada contra a garimpagem tanto pricipalmente na região amazônica quanto em outras partes do país. A não preservar essa riqueza de nosso meio-ambiente, estaremos fadados a assistir a essas tragédias recorrentes de inundações cada vez mais destruidoras pelo país afora. É costume se ouvir hoje me dia, diante de uma tragédia como esta em Petrópolis, alguém do povo afirmar o seguinte: “Moro há trinta e seis anos aqui e nunca me deparei com uma tragédia destas.” Isso é um sinal e uma seríssima advertência às nossas autoridades.
Falta-nos uma política de habitação modernizada e inclusiva. A falta de planejamento urbano em nosso pais é uma questão crucial e antiga, esquecida das prioridades de sucessivos governos federais, estaduais e municipais. Tudo parece aqui no país feito de improvisações no que diz respeito a moradias para os mais humildes em áreas perigosas à vida humana, verdadeiras tragédias anunciadas.
Não há cumprimentos de normas nem tampouco parece haver legislação que assegure o cumprimento de políticas públicas voltadas efetiva e continuamente para a solução ou, pelo menos, diminuição do gigantesco e injustificado tamanho de novas favelas que, praticamente em todo o território nacional, surgem nos morros ou em locais insalubres, à beira de rios.
Esse é uma parcela grande de um Brasil que dá as costas para a melhoria de seus habitantes, os despossuídos, os abandonados, de forma crônica (como também ocorre em outros males sociais seculares), pelos poderes públicos. A recorrência de tragédias desse tipo parece mesmo aquela imagem do esforço contínuo de Sísifo da mitologia helênica: um esforço que não se altera nem se materializa em obras governamentais que atendam, com patriotismo e espírito cívico, aos excluídos do Brasil, mas que teima sempre em ser o "País do futuro." Quem avisa, amigo é.