OUTRA TRAGÉDIA ANUNCIADA: PETRÓPOLIS

                  

              CUNHA E SILVA FILHO

              

       Não é a primeira vez e,   infelizmente,  não será última que essa  belíssima cidade sofre  a fúria   predatória das águas inclementes  Um tromba d’água  a atingiu em cheio  ontem e deixou  um elevado  saldo de  mortos  considerável:  sessenta e seis pessoas  contabilizadas até agora.    

      É uma   bela cidade serrana de Petrópolis, com seu  ar encantador de cidade  aristocrática,  com  traços  de uma  cidade europeia, que foi residência de verão  do  imperador   Dom Pedro II, com   bom clima, tranquila,    lugar de turismo,   assim como também de   espaço  de comércio   popular  muito conhecido como o  da Rua Teresa.  Lá  fui,  tempos atrás,   várias vezes  com a minha  esposa. Fiz até algumas amizades  com moradores  dessa cidade  cativanante e graciosa. Um deles foi um estudioso de lexicografia,  professor de línguas,   homem  culto,   possuidor de uma  invejável  biblioteca.   Chegou a publicar  um   volumoso dicionário de masculinos e femininos  editado  pela Livraria   Freitas Bastos. Morava  em frente   do velho e  conhecido  Hotel Quitandinha. No meu livro  As ideias no tempo,   dedico  um capítulo falando, en passant,   da riqueza e   do alto valor de  obras filológicas e lexicográficas   que encontrei   na  mencionada  biblioteca   do ilustre  dicionarista.  

       Cidade em que  já residiram  figuras  importantes da vida  cultural brasileira como  o grande crítico  Tristão de Athayde, Santos Dumont, se não me engano,  também  Rui Barbosa e outras figuras eminentes do pais,  tem sofrido   perdas  inestimáveis de vidas  e  de várias construções  residenciais. A paisagem  petropolitana  é bela e o céu,   muitas vezes,  fica límpido,  outras vezes,  carregado e é justamente  neste  segundo caso,  que  podem  ocorrer  as chuvas torrenciais que valem  por  um mês e duram,  em horas,   o que seria esperado  num só mês. As águas,  com correntes caudalosas,  enfurecidas,  levam  de roldão  tudo que encontram  pela frente.

      A força das águas   apavora   os moradores   e causam   estragos materiais sem precedentes,   contados  aos milhões em dinheiro perdido. Este act of God,  pois, vira   uma tragédia de sofrimento,  de desesperos e de gritos  seguidos de imagens  horrendas   de pessoas sendo  carregadas  pelas  torrentes de águas   assassinas.

      Os morros circundantes,  logo encharcados,  vão minando  por dentro   o barro,  provocando, com isso    o deslizamento   das partes montanhosas  que se abatem  com  torrentes  ávidas de destruir   tudo ao redor,   encostas  abaixo impotentes diante  da ferocidade  das águas. As águas,  no centro da cidade,   logo  se transformam   como se fossem rios  transbordando   de suas margens   com  uma  força descomunal  penetrando  nas lojas,   nas casas,   nos prédios, nos esgotos já exauridos   trazendo   pavor  e sofrimento, mas principalmente  o desespero  de pessoas que  perderam   seus   entes queridos  sepultados por  casas  destroçadas   por toneladas de barro  ou levados  pelas  força  da  enxurrada.      

     Seus habitantes, seus visitantes, seus turistas e, em grande maioria, seus   moradores  mais humildes e, portanto,  mais vulneráveis, sãao asmaiores vdítmas,  sobretudo,  porque moram  junto a rampas ou  ribanceiras  de terreno  montanhoso e   não rochoso,  com  a potência   das águas,   entram em  profundo desespero, sem  saber  o que fazer diante da fatalidade  da Natureza.   

     É óbvio que as tragédias naturais  que assolam  o  planeta Terra não são  apenas  provocadas  pela Natureza  em si, mas têm implicações sérias  e perturbadoras   do protagonismo  do espírito  predador do   homem  em suas  convivência com  os acidentes geográficos  e com  a persistente  aumento  do efeito-estufa -   causador  principal    das mudanças climáticas   em nosso  já devastado   planeta. As tragédias das enchentes  em nosso país  se devem, em grande parte, a dois   fatores  vitais: 1)  a falta de  planejamento urbano de nossas cidades,  sobretudo aquelas  de  terreno  montanhoso,   onde construções   frágeis são   realizadas  ao arrepio de    práticas   de uma governança  responsável; 2) a questão fundamental  da preservação de nosso meio-ambiente, notadamente  a proteção, a todo custo,   das nossas florestas,  tendo à frente  a região  amazônica,   patrimônio  do mundo.

    Se ferirmos de morte os nossos   “pulmões do mundo,” a nossa Hileia Brasileira,  tanto seremos  afetados, sem dó nem piedade,  pelas reações  imprevisíveis  de uma  Natureza  maltratada  pelas mãos desastradas   dos homens maus,   impatriotas  e ávidos  por lucros (traduza-se:  governos e  políticos), prejudicando  cada vez mais  aqui  o epicentro da preservação do meio-ambiente  do país,  quanto  na  diminuição   tanto quanto  possível,   nunca demasiado do citado  efeito-estufa,   da ausência de   cuidados  rigorosos  com  a Amazônia  e,  last but not least,  com  a proibição rigorosa e fiscalização  reforçada   contra a  garimpagem  tanto  pricipalmente  na região amazônica  quanto  em outras partes  do  país.  A não preservar   essa riqueza de nosso  meio-ambiente,  estaremos  fadados  a  assistir a essas  tragédias   recorrentes  de inundações  cada vez mais  destruidoras  pelo país afora.  É costume se ouvir  hoje me dia,  diante de uma tragédia como  esta em Petrópolis,  alguém do povo afirmar o seguinte: “Moro  há  trinta e seis anos  aqui  e nunca me deparei com  uma    tragédia destas.” Isso é um sinal   e uma  seríssima  advertência às nossas autoridades.

    Falta-nos  uma  política de habitação    modernizada e  inclusiva. A falta de planejamento  urbano  em nosso pais  é uma  questão  crucial e antiga,    esquecida das prioridades  de sucessivos  governos federais,  estaduais e municipais.  Tudo  parece aqui no país    feito  de improvisações  no  que diz respeito a moradias para os mais humildes  em áreas  perigosas à vida  humana, verdadeiras tragédias anunciadas.  

   Não há cumprimentos de normas   nem tampouco   parece haver legislação   que assegure  o cumprimento de  políticas  públicas voltadas efetiva e continuamente   para a solução  ou,  pelo menos,  diminuição   do  gigantesco  e injustificado  tamanho de  novas  favelas  que, praticamente em todo  o território nacional,  surgem  nos morros  ou  em  locais   insalubres,  à beira  de rios.

     Esse  é uma parcela grande de um   Brasil  que dá as costas para a melhoria de seus  habitantes, os   despossuídos,    os  abandonados,   de forma crônica  (como  também  ocorre  em outros males sociais seculares),   pelos poderes  públicos. A recorrência de tragédias desse tipo  parece mesmo  aquela imagem  do  esforço contínuo de Sísifo da mitologia  helênica: um esforço  que   não se altera  nem se materializa em  obras  governamentais que atendam, com patriotismo e espírito cívico,  aos excluídos  do Brasil, mas   que teima sempre em ser o  "País do futuro." Quem avisa,  amigo é.