Bráulio Tavares

Historiadores do futuro irão examinar nossos escritos com a mesma perplexidade e estranheza que nos acomete examinando o delírio cultural da Idade Média, quando as pessoas se entregavam a tarefas ciclópicas que hoje nos parecem inteiramente insensatas.  Muitos hão de se indagar por que motivo os homens do século 21 faziam (por exemplo) listas dos “melhores filmes do ano” ou dos “melhores livros da década”.  À primeira vista parece algo necessário, para tornar mais nítidos certos parâmetros de qualidade.  Mas de que adiantavam tais listas (pensarão eles), se ninguém chegava a um acordo?  Lembro-me de ter visto uma vez uma lista dos “20 Melhores Filmes de Todos os Tempos”, em que cada crítico escolhia 20 títulos, e depois fazia-se uma contagem de pontos dos filmes mais citados.  Foi escolhido como O Melhor de Todos os Tempos o inevitável “Cidadão Kane” de Welles, com um detalhe: ninguém votou nele como o melhor filme.  Mas todos o incluíram em posições tais que na pontuação final ele pulou para a cabeça da lista.


Andei comparando duas listas recentes dos Melhores Filmes da Década, votados pelos participantes dos saites FilmComment (que selecionou 150 filmes) e MetaCritic (que escolheu 100).  São grupos respeitáveis de entendedores.  Entre os votantes do primeiro, há gente que admiro, como Gilbert Adair, David Edelstein, Jonathan Lethem, Jonathan Rosenbaum, Andrew Sarris e David Thomson.  Este júri escolheu Os 150 Melhores Filmes da Década, e o melhor deles foi “Cidade dos Sonhos” (Mulholland Drive) de David Lynch.  Ouço daqui os dentes de muitos leitores rangendo de irritação, mas, paciência, faz parte do jogo.  Talvez se consolem um pouco ao saber que na outra lista (a do MetaCritic), o filme de Lynch sequer se classificou.  Coisa espantosa – como é que um filme é o melhor de todos para um grupo, e para outro não fica sequer entre os 100 melhores?


Resolvi inverter a pesquisa: quem terá sido então o melhor, para a turma do MetaCritic?  Ora, foi o filme “O Labirinto do Fauno” de Guillermo del Toro.  Se o leitor acha a escolha injusta, pode se consolar ao ser informado de que na outra lista o filme espanhol ficou apenas num modesto 105o. lugar.  Apenas um filme aparece entre os 10 primeiros de ambas as listas: o romeno “4 meses, 3 semanas e 2 dias”, ganhador da Palma de Ouro em Cannes e do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro.  A lista do Film Comment pode ser vista aqui: http://tinyurl.com/ybo5db9.  A do MetaCritic aqui: http://tinyurl.com/yaxw9ty.  De um modo geral, a do FilmComment inclui filmes mais obscuros, de cinematografias pouco conhecidas; é uma escolha de especialistas com acesso a material raro e à programação de salas especializadas.  A do Meta Critic é mais voltada para o cinemão, muito centrada na programação comercial dos EUA, tem um número maior de filmes que passaram aqui, e vários filmes que francamente, acho meio bobos.  Nenhum filme brasileiro apareceu nas duas listas.