[Whashington Ramos]

     A pergunta acima consta do romance “Rio Subterrâneo”, de O.G. Rego de Carvalho. Ela é feita pelo personagem Pedro à sua namorada Helena, quando ele a vê contemplando, concentradamente, o sobrado da família Ribeiro, em Oeiras, marcado pela loucura.

     Lembrei-me dessa pergunta e desse livro quando tomei conhecimento do tema da redação do Enem 2021: “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira.” Por que essa lembrança? Porque o preconceito contra a loucura é um dos temas centrais em “Rio Subterrâneo”. A própria palavra estigma é usada por Pedro após fazer a pergunta a Helena e externar sua radical opinião sobre os loucos: “Se pudesse, eu limparia o mundo. Os doidos seriam mortos, os descendentes internados. A loucura é um estigma que não desaparece nunca; constitui verdadeira maldição para a família e a sociedade.” Não conheço opinião mais preconceituosa sobre doenças mentais do que essa. É algo assustador e se aproxima das ideias de eugenia, de pureza étnica, que os nazistas defendiam.

     No romance, no momento da pergunta, o sobrado está em ruínas, habitado por morcegos,  assombrações e lembranças dos loucos que que lá viveram como Celina, o que é uma metáfora para loucura. É como se o autor sugerisse que não existe ruína maior do que uma doença mental. A palavra doido, seus sinônimos e cognatos têm sido largamente usados, a partir do romance “O lobo da estepe” (só para os loucos), de Herman Hesse, como algo bacana e diferente. Mas, na verdade, a coisa não é bem assim.

     Não se trata de provincianismo literário, mas não conheço livro melhor para ilustrar o tema do Enem do que o romance “Rio Subterrâneo”. Parece até que quem elaborou esse tema se inspirou no livro de O.G. de Carvalho. É claro que, numa prova do Enem, o aluno não tem como citar literalmente as frases de Pedro. Mas, se ele tivesse sido instruído por seus professores sobre essa citação cruel ( ministrei muitas aulas sobre esse romance em pré- vestibulares quando estava em sala de aula ), poderia resumi-la com palavras próprias e desenvolver o tema com mais coerência e fundamentação.

     Helena, ao responder à pergunta de Pedro, repreende-o suavemente, mas deixa claro que nada tem a ver com a família que morou no sobrado. Ele, o namorado, por sua vez, tinha passado noites sem dormir, só pensando se Helena era aparentada com os Ribeiros. Não seria essa insônia paranoica uma forma de loucura?