Os Carvalho do Piauí: novidades do passado
Em: 08/12/2013, às 19H38
[Gilberto de Abreu Sodré Carvalho]
O trabalho de pesquisa genealógica de Edgardo Pires Ferreira, “Os Castello Branco e seus entrelaçamentos familiares no Piauí e Maranhão”, 2013, em edição revista e, digo, imensamente ampliada, é obra indispensável de ser lida e consultada. Dentre as inúmeras novidades ou achados novos que contém, principalmente confirma quem foram os protagonistas da chamada conquista do Piauí. No livro, juntam-se, não por coincidência simplória, genealogia e história ao cuidar-se das pessoas e famílias que se reportam a Francisco da Cunha Castello Branco, fidalgo português que veio ao Maranhão no final do século XVII.
Ora, a conquista do Piauí? Atos de guerra, muita morte e mesmo genocídio? Talvez sim, ou bem assim. No entanto, sem isso não haveria o Piauí que temos hoje. Nenhum de nós, hoje viventes, teria existido. A história muda a dinâmica dos fatos, cria possibilidades novas e frustra o que vinha sendo e foi podado. Por certo, os episódios da tomada de terras dos índios corresponderam à sua morte ou afastamento para a Amazônia; ou à assimilação de muito da cultura indígena e do DNA nativo pelos filhos dos portugueses brasílicos. E o mais intrincado: a dificuldade para se ter uma argumentação histórica comum a todos os piauienses. Eles se veem divididos entre serem descendentes de índios degolados ou de o serem de portugueses assassinos. De fato, descendem de ambos.
A mesma tensão ocorre no Brasil inteiro. Uma vez que se evoque a nossa negritude de cultura e DNA, teremos dúvidas na mente dos pardos ou morenos. Os filhos e netos dos novos emigrantes dos séculos XIX e XX – como dos espanhóis, dos alemães, dos italianos, dos japoneses, dos árabes - mais ainda se dividem, porque, ao mesmo tempo, querem e rejeitam uma história não vivida mas adotada, em parte ou no todo, conforme a sua porção de sangue estrangeiro em disputa com o lado brasileiro. Confio que a crescente miscigenação resolva todos esses conflitos de identidade e se chegue a uma história politicamente correta, de verdade, que não escolha estar do lado de nenhuma das nossas etnias. Uma história revista em sua argumentação ufanista dos portugueses, mas não a ponto de nos voltarmos contra os fatos vistos nos seus contextos e época em que foram encenados.
Escrevo tudo isso para dizer que não devemos ter vergonha irrestrita e apressada dos nossos antepassados portugueses.
Nessa linha de pensar, é muito valiosa a saga dos cinco irmãos Carvalho, a saber: capitão-mor Manuel Carvalho de Almeida, capitão-mor Antônio Carvalho de Almeida, padre Miguel de Carvalho, padre Thomé de Carvalho e Silva e padre Inocêncio Carvalho de Almeida. Todos eles nasceram em Portugal e foram filhos de Belchior Gomes de Cunha e de Isabel Rodrigues. O sobrenome Carvalho, que adotaram de forma variada, com ou sem o “de” Carvalho, ou o “de Almeida” ou o “e Silva”, é resultado de a tomada de apelido ser livre para aqueles que chegavam à idade adulta. Não se impunha o sobrenome ao se nascer, como ocorre agora, desde os anos 30 do século XX. O apelido Carvalho deve ter sido decorrente da afiliação espiritual dos irmãos frente a seu tio Bernardo Carvalho de Aguiar, comandante da Conquista. De relevante se tem que os cinco irmãos foram protagonistas das campanhas de dizimação do chamado gentio. Manuel e Antônio como militares e, sem dúvida, matadores de índios, abrem espaços larguíssimos para a pecuária e para a Cruz. Os dois se casam; o primeiro, Manuel, com uma filha de Francisco da Cunha Castello Branco; o segundo, Antônio, com uma neta do mesmo Francisco e filha de João do Rêgo Barros, outro conquistador. Os três sacerdotes são o famoso padre Miguel, pároco muito influente e o primeiro cronista do Piauí, e os dois outros menos conhecidos, padre Thomé e padre Inocêncio, também esses vigários e hábeis na geração e uso do poder secular.
Tudo faz concluir que os irmãos Carvalho agiram em conjunto, a combinar o poder militar com o da Igreja, para o engrandecimento do seu prestígio político e da propriedade de terras e gados. Percebe-se a importância da ajuda fraterna que tiveram Manuel e Antônio, tanto para a obtenção de enormes sesmarias como de suporte de retaguarda na submissão das almas nas suas novas terras. O início do século XVIII presenciou grande poder da Igreja e da Inquisição.
O livro de Edgardo Pires Ferreira é abundante em dados sobre essa era remota, aos quais ele nos faz presentes pela liga com o povo de carne e osso que hoje vive no Piauí e no Maranhão. Essa gente precisa saber que é a história viva e miscigenada de uma epopeia que começa noutros tempos e contextos.