ONDE ESTÃO OS NEOLIBERAIS? (9)  *                                                                

                                                                                                     CUNHA E SILVA FILHO

 

            Ora, quem diria  que  o grande capital globalizado, volatilizado, virtualizado, agora está  dando sinais apocalípticos,  em vários países, de derretimento  das geleiras inoperantes de seus magos agentes  da especulação do vil metal.  

           Na iminência de repetir um estado de recessão profunda em escala internacional,  similar à que  ocorreu em 1929 conhecida como a Grande Depressão,  com a debâcle da Bolsa de Nova York, no coração financeiro do planeta, está a pedir, com o pires  nas mãos, sôfrego,  cambaleante, envergonhado e empalidecido de tanto medo de ficar pobre, quebrado e alquebrado, a ajuda, a misericórdia,  providencial dos Estados, do grande Leviatã, a começar do santuário profano da riqueza e do poder econômico-financeiro  mundial, que é a Terra do Tio Sam, com a agravante de que paradoxal e ironicamente tem como epicentro e primeiras causas   esse país, símbolo-mor do sistema capitalista, no qual o derretimento monetarista deu os primeiros vagidos  de seus tentáculos ciclópicos  alastrando-se,  à semelhança de uma  metástase, pelo mundo afora.

              E como fica a  apregoada e superincensada autorregulamentação do livre mercado, apanágio  norteador do desenvolvimento econômico  e financeiro das nações poderosas? Não desejavam ou acalentavam há tanto tempo essa liberdade e autonomia  do laissez-faire  no que concerne ao destino das nações?  Não foi a crítica ao gigantismo estatal o prato cheio dos detratores do intervencionismo  estatal que fez o mundo crer nas mil e uma noites das  delícias  de esbanjamento de riqueza que fez a festa dos milionários ou bilionários deste pobre  planeta?

            Como é que, agora, a economia-modelo do neoliberalismo se vai explicar aos seus  adversários, ou seja, o estatismo paternalista, tão malsinado, tão  vilipendiado pelos donos da verdade das forças do mercado e de sua  proverbial  febre da ganância? Até  aqui estou me restringindo apenas à incompetência do livre mercado. Nem quero me deter nos fundamentos morais, onde muita água suja pode vir à tona. Não quero falar do aspecto  ético da questão envolvendo esse descalabro ou caos financeiro que mesmo especialistas  estão nos fazendo acreditar que realmente está  por acontecer caso medidas  corretas não sejam  aplicadas contra ele.

               Estou a crer que o melhor seria a aplicação de uma medida drástica contra o veneno da incompetência concedida ou provocada, mas sem  a visão da competência  que deveria ser a exigência básica  de quem lida com o dinheiro dos outros e até de uma sociedade ou nação. E aqui quero me  referir diretamente à gastança do governo Bush com a guerra no Iraque e com todas a frentes de guerra de suposto combate ao terrorismo internacional e interno.

              A crise financeira internacional tem suas raízes  plantadas na chamada volatilidade em que se transformou o uso do dinheiro  que foi desviado de sua finalidade  básica: a promoção do bem-estar docs indivíduos, das sociedades  e da própria humanidade. A massa gigantesca de aplicações nacionais e transnacionais de investimentos é fator meramente de acumulação de rendas  individuais ou de grupos econômicos cada vez mais realimentadores da riqueza de poucos em detrimento  das   populações menos favorecidas em qualquer  parte do mundo, que ficaram sempre à margem dessas práticas de ganhos  de natureza concentracionária de altíssimos  lucros que se vão instalar nas mãos de minorias  do high business, quer doméstico, quer transnacional, facilitado agora sobretudo com os progressos  da tecnologia digital em dimensão planetária.

              Pois foi justamente essa corrida  pelo dinheiro fácil  e imediato que provocou essa crise que está  se   agravando em toda a  parte. É preciso entender  que o desenvolvimento das riquezas econômicas dos países, sejam  eles ricos,  sejam emergentes,  ou pobres, só poderá se concretiza  r com o trabalho produtivo no campo, na cidade, através  da produção  agrícola, industrial, tecnológica, eletrônica e de prestações de serviços, tudo isso, porém,  planejado  e  realizado de molde a  não comprometer o equilíbrio ecológico da Terra.

             Não é com especulações de dinheiro proveniente de rendimentos de agiotagem , conforme foi tão bem  repudiada em artigo do jurista Dalmo Dalari no JB, que as economias  dos países se desenvolvem e trazem bem-estar global. Se especuladores ou investidores corruptos não se deram bem em suas tentativas de lucrarem a todo custo e sem  responsabilidade, não cabe aos Estados socorrê-los.                

              Obviamente, é  dever e obrigação  dos governos mundiais de punir todos os  responsáveis que levaram as sociedades dos diversos países até agora  diretamente  afetados a terem  prejuízos para os quais  não concorreram.  Há que divisar um caminho alternativo para o sistema financeiro mundial não chegar a essa situação de proto-falência  geral. A lição que  o neoliberalismo nos deu até então não constitui nenhum  exemplo recomendável como via  segura da saúde financeira das nações.

                A meu ver,  o papel dos Estados democráticos tem,  a partir de agora, a obrigação de fiscalizar, com  alta competência  técnica  e visão  antecipadora, os possíveis riscos  a que está sujeita  a vida financeira  de seus respectivos países. Isso  não configura estatismo  de vigilância,  mas  ação determinada  a prevenir  abusos  do poder econômico. O Estado deve ser, sim, um agente  de combate contra  a especulação pela especulação,  i. e.,  deve se imiscuir sempre que  as manipulações  sejam favorecedoras de acumulação  de lucros improdutivos,  que só servem para  o enriquecimento desordenado  de minorias privilegiadas dentro e fora do  Brasil.

                Não é exequível, dentro de uma imensa complexidade de  uma economia globalizada, deixar que a  sociedade, o indivíduo fiquem à mercê  da ganância e das jogadas e negociatas no universo das economias. Não podemos nos  tornar reféns do  banditismo financeiro da agiotagem (termo,  aliás, empregado por Dalari) nacional e transnacional. 

               Que cada um  não ganhe o seu dinheiro com o suor do seu rosto e que, no caso  brasileiro,  o governo deixe de praticar as maiores taxas de  juros -  o grande filé mignon  de exploração e insaciável  cobiça  tanto da parte dos últimos governos brasileiros quanto da parte de especuladores estrangeiros que aqui aportam na desenfreada  aventura  do money rush conseguido graças ao  fascínio exercido por aquelas  altas taxas de juros em moeda forte. 

* Este artigo foi  traduzido  para o francês pela escritora francesa Noëlle Arnoult (poeta tradutora e ficcionista, nascida  em Paris e residente em Dijon, França)  e publicado na Revista Orizont Literar Contemporan,  Bucareste  Romênia.   Cf.:  ARNOULT. NOËLLE.   Où sont les néo-libéraux?  In: ORIZONT LITERAR  CONTEMPORAN. AN XIII - NR 3 (77) / MAI IUNE 20020  - 64 PAGINI   - REVISTA CULTURALÁ INDEPENDENTA,  P.40-42.