Onde está a verdade da política brasileira?

                                                               Cunha e Silva Filho

         Eis uma pergunta  bem difícil de responder. Se o leitor me  perguntar sobre ela,  dir-lhe-ei que só o vento  poderia  me dar, como naquela bela canção popular americana.

        Entre os eleitores potenciais, sei que deles não receberei senão respostas evasivas, indiferentes a candidatos,  indiferente a partidos. Votarão por votar, votarão como se fossem  a um show de música funk, ou sertaneja, ou a um show de um  velho  roqueiro estrangeiro, ou ainda a uma roda de samba.

           De um  eleitor aposentado e que já ultrapassou o limite obrigatório de votar, receberei, pelo menos, duas respostas:  primeira,  que  irá votar  por ser um cidadão  que  quer o bem  do seu país, que vai  votar para  “exercer “ o seu  inalienável “direito”  de cidadão  comprometido  com os destinos do Brasil; segunda, que sempre há um candidato que melhor convém, quer para presidente da República, quer para outros mandatos.

       Acho que foi um sacerdote que, numa homilia,  incluiu uma afirmação de natureza  política: “Votem no melhor.” Foi numa missa  pela televisão.  Lembro-me  de que, na época,  minha  esposa aproveitou a ocasião para se perguntar: “Mas quem  é o melhor?” Para o padre,  para o telespectador,  para os fiéis da missa ou para quem?

      O melhor, no meu entender, pressupõe uma opção ideológica. O melhor é pura  subjetividade de quem   o diz e o melhor, para mim,   pode até não ser nenhum candidato  dos que estão em campanha. O melhor, quiçá, não seja tampouco  para você, leitor, nem para outros e outros e outros.   Daí, a dificuldade  de se saber  em quem  votar. E a dificuldade ainda  aumenta no atual  e tumultuado  momento  da vida política brasileira.

      Durante anos a fio,  após o Segundo Reinado (1840-1889),  quando  a República Velha (1889-1930) assumiu as rédeas do governo,  instituiu-se  o voto de cabresto, fruto do  mandonismo,  coronelismo   rural  que exigia  o voto aberto a fim de que  o pobre  subjugado sufragasse  o nome   do candidato  exigido pelos “coronéis”  do latifúndio.

        Desse voto  de cabresto ao voto  eletrônico,  a mesma cantilena  se ouviu  de eleitores e de políticos: as promessas de campanha, as brigas entre partidários  adversários,  entre políticos e políticos segundo o surrado binômio situação-oposição de tal forma que se  estabeleceram  duas “verdades,”  as quais, para simplificar, seriam, nos extremos: direita e esquerda. Essa mesma cantilenea hoje foi substituída  pela  exibição da propaganda eleitoral na televisão  que não passa de uma forma  ridícula  e falaciosa  de  oportunistas  desejosos  de  entrar ou se perpetuar  na vida política.

       Hoje, está mais sofisticada com  os avanços da mídia e dos meios eletrônicos, cujo exemplo mais   degradante   foi o surgimento, durante as campanhas políticas,  dos chamados marqueteiros, profissionais da publicidade que, em muitos casos,   se tornaram  milionários à custa do farto  dinheiro  distribuído   não só pelo governo  como  pela via mais   criminosa, que é a prática  ignominiosa da propina, da  corrupção ativa  e passiva, do  conchavo  entre  grandes empresários e políticos   inescrupulosos, conforme sobejamente  demonstraram  as  denúncias e as investigações   da Lava Jato  na caça aos maus políticos e aos  empresários   mafiosos.   

       Nas velhuscas campanhas  do  interior  do país,  a sociedade civil se  bifurcava em duas vertentes antagônicas e ao mesmo tempo   pertencentes à elite local, em geral duas famílias tradicionais que dominavam  a vida  política num jogo de alternâncias de poder   que perduravam  por longo tempo até que   o outro partido  conseguisse assumir  o poder. E, assim, foi por um longo período da  vida nacional. 

      As refregas eram tão violentas que,  por vezes,   se cometiam de ambos os lados  crimes  entre essa famílias. Quando  não,  os donos do poder  não se falavam,  nem admitiram  que   seus filhos se casassem  com  filhas de adversários  políticos. A política era  um fascínio  e ao mesmo tempo uma tragédia. Até os adolescentes, como  foi  exemplo, o meu pai,  jornalista Cunha e Silva (1905-1990), em Amarante, Piauí,  discutiam  política,  em debates  inflamados, cada parte  se sentindo  dona da verdade.

      Cronologicamente,   esse fatos  ocorreram no século passado, dos anos 1910 aos anos  1950, aproximadamente,  incluindo, o tempo  do Estado Novo (1937-1946) mas com uma política local    vivida  sob a  tutela da ditadura  Vargas e, portanto,  com todas  as especificidades   inerentes a um período de exceção. Pesquisar esse longo período da vida social brasileira voltada para a prática política no  interior dos estados  constitui um inesgotável  e extensíssimo  campo de investigação digno  da atenção de  cientistas políticos e sociólogos.

     A dimensão  política  era indissociável  da vida quotidiana  daquelas sociedades   passadas e mesmo  poderia   afirmar que a intensa  vida política  do interior era, por assim dizer,  o locus   mais  adequado  para se aprender   o jogo  político  entre as pessoas, de adolescentes a adultos.

      Era um verdadeira  escola de aprendizagem,   sobretudo  para os que  gostavam  de questões  sociais,  econômicas e políticas,  da - para usar dois termos  emprestados   à Economia -, micropolítica à  macropolítica,  uma vez que o que se passava nos grandes centros de decisões  do poder, posto que numa comunicação um tanto atrasada e dependente, em grande parte, de jornais ou de rádios, chegava aos pequenos, médios ou  grandes  municípios e capitais fora do eixo Rio de Janeiro - São Paulo. 

      Atravessamos vários  governos  ditos democráticos ou  discricionários. No entanto,  a recorrente   questão da verdade na política, nos  políticos e eleitores tem-se, nos últimos quinze anos,  aproximadamente,   tornado  um  nó górdio.

     Ou melhor,  uma vexata questio, na pós-modernidade, onde não se tem mais  tanta  certeza do que seja verdade ou mentira nesse tempos  de agora,  useiros e vezeiros  em notícias fake, não mais apenas nacionais, mas transnacionais, como foi exemplo  a campanha para eleição de Donald Trump, bastante  entrelaçada  de verdades e pós-verdades envolvendo  interferências  da Rússia no pleito  americano   que elegeu   um presidente   trapalhão e, por conseguinte,  prejudicial  às relações de paz  na geopolítica mundial. Qualque semelhança com o  bolsonarismo  não é mera coincidência.

      Sabe Deus até que ponto Donald  Trump  será digno de  governar um país  da importância   dos Estados Unidos. Só se tem  a certeza  de que, nesses poucos meses  no poder,  ele só tem prejudicado a imagem  desse  país como também  tem   provocado  nova onda de ira contra  o atual  governo americano com a recente  declaração  de que a Israel  cabe  ter como capital Jerusalém  em detrimento de alguns direitos alegados  pelos palestinos   sobre Jerusalém e, portanto, sobre a possibilidade de  ela vir a ser  a capital da Palestina.

     O índice, empregando um termo  do domínio da semiótica -,  de indignação mais emblemático, em tal  conjuntura,   é  o imediato gesto de tocar fogo na bandeira americana. O fato é que, de uma forma ou  de outra,  o que a posição de   Trump significou   para a  recorrente disputa  sangrenta entre árabes e judeus já está surtindo   seus efeitos deletérios com  o acirramento dos ânimos  exaltados entre árabes e judeus, resultando já  em  300 palestinos  feridos e dois mortos nos confrontos   deflagrados  após  a declaração  do presidente americano.

    Os EUA  não podem se arvorar em  juízes do mundo  e, assim,  tomarem  decisões unilaterais  com  referência  à situação  geopolítica   de dois países  soberanos  no  Oriente Médio. Eles não  representam  a ONU  sozinhos.  As decisões  mais   importantes sobre   questões territoriais   no mundo  não podem  ser  tomadas  por um só país  com se vivêssemos nos tempos  de Alexandre  Magno,  do  expansionismo  do Império Romano, da era napoleônica, do colonialismo europeu,  do nazismo  hitlerista e de outros   conquistadores   pelo mundo afora.  Ninguém  é dono do mundo, sobretudo em  tempos  globalizados.

       Os EUA não podem, sob  hipótese  alguma,  agir  unilateralmente  tomando as dores de países  com os quais  mais se afinam   nas relações  internacionais. Recorda o leitor a  insensatez do medíocre Bush, filho,  ao enviar   as forças militares americanas a fim de  invadir  e bombardear  covardemente  o Iraque sob a alegação de que  esse país   possuía arsenal   nuclear, quando  logo se descobriu  que  isso não passava  de uma   grande mentira e que provavelmente as razões  eram  bem  outras que não as alegadas  pela fúria de Bush, filho?   Se não me engano, foi o  governo  britânico  que  chamou a atenção para  essa ação genocida  do presidente americano.

       Para dirimir grandes e intrincados conflitos entre nações já temos  suficientes  organizações  internacionais   as  quais  se destinam  a esses  fins. O tempo do imperialismo  já passou. O que se espera das  nações  do mundo  é que   lutem, em fóruns  internacionais,  pelos seus direitos  de justiça,  de paz,   de liberdade  de expressão  e de locomoção. Os meios diplomáticos  são ainda os únicos   indicados para  tentarem  solucionar  a paz mundial e eliminar  guerras   futuras.

    Todos os grandes problemas  que  afligem  o mundo contemporâneo  têm raízes  assentadas  nos descumprimentos   de normas    e leis internacionais. Da mesma forma,  países como  o Brasil  atingiram   o atual   momento  de   agudas crise de  imoralidade  em decorrência  de desvios  éticos  no campo da governança  e da ação política.

     A degenerescência de nossas instituições deriva das ações humanas tipificadas no  comportamento   desonesto de grande parte de nossos  políticos que, cinicamente,   afundaram  as finanças do  Estado  Brasileiro através  do generalizado  emprego   de propinas para enriquecerem  políticos e  grandes empresários, a  ponto de  tornar-se quase   impossível   diferenciar  o comportamento  de um  político do de um marginal  e  perigoso  delinquente.

    Vilipendiados pela maioria dos eleitores brasileiros, os políticos   atingiram  a mais  abjeta  forma  de  exercerem  seus mandatos   conquistados com o voto popular. É nesse ponto que a questão da “verdade”  entra como  um dos  componentes mais decisivos   na práxis  da política  brasileira.

   As ideologias  múltiplas que nos cercam,  os partidos  extremos,  segundo acentuamos  atrás,  direita e  esquerda,   não são mais   um conjunto de   princípios confiáveis e   norteadores de uma mudança  visando à melhoria  da  nossa sociedade  dividida em classes e isoladas  entre si, insolidária,  egoísta e individualista  na sua generalidade, sobretudo em tempos de pós- modernidade e  escassez de humanismo.

      Ora,  para alcançar o eleitorado todos os artifícios são utilizados,  sendo o primeiro  o da chamada “verdade” de cada  agremiação partidária. “Verdade” que não encontra convalidação em outras “verdades’   propaladas por outros  partidos, porquanto cada qual tem a sua “verdade”  que, no fundo,  não   traduz  a verdade profunda   do espírito  humano, mas uma verdade  edulcorada,   gestada  para fins  eleitoreiros   e que  se reproduz há  décadas  na  vida  brasileira por todos os partidos  sem exceção.

     È evidente que, num partido  em que seus   membros deveriam ser  uniformes   na obediência aos seus princípios ideológicos,  pode haver   membros  com  boa vontade  de  querer  o bem-estar  do país. 

      O Brasil de hoje vive o impasse entre a verdade e a pós-verdade. As redes sociais ( à frente o Facebook) estão aí  para tão bem ilustrarem esse dilema  brasileiro. Esse dilema  compreende  a soma  de verdades  e  mentiras,  de noticias  fraudulentas e de notícias   verdadeiras.

      Ora, tudo isso  é fator gerador de  divisões, no meio do eleitorado consciente ou  não,  de  acirradas clivagens  político-ideológicas,  fomentadoras de inimizades e de  rompimento de   amizades  em todos os níveis de  escolaridade, o que é lamentável  na formação  social  saudável  de um  povo.

      Um  povo  dividido,  hostilizando-se por querelas  políticas  do baixo clero, será um  povo  infeliz  e desunido, um fator desagregador   e perverso  da unidade  nacional. Talvez, de alguma maneira,  eu tenha, pelo menos,   suscitado   um debate  cívico e independente  que pudesse nos conduzir  a uma resposta   mais  fundamentada à indagação  que dá título a este artigo.